accrescenta um novo encanto ás cousas encantadoras. Resguardado no estojo da botina, deixando apenas adivinhar, atravez da malha da meia e da prisão de couro ou do setim, a sua forma perturbadora, — e, ainda mais, occulto pela barra da saia, que é o velario que avaramente o recata, — o pé só se deixa ver a furto. E’ esse o segredo do seu prestigio.
Grande feiticista do pé foi Raymundo Corrêa. Como poeta, elle admirava-o, procurava-o, acompanhando-o, espiando-o . No lindo soneto “Chuva e Sol”, reparae na delicadeza e no carinho da imagem, que realça a graça dos pés da formosa transeunte:
“Agrada á vista e á fantasia agrada
Ver-te, atravez do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
De sol pelos venabulos radiantes...
Vais, e molhas-te, embora os pés levantes:
— Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos mettem na agua, e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada...
Vais, e, apezar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te, colmam-te as goteiras
De perolas o manto mal coberto;
E estrellas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrellas falsas, mas que assim de perto
Rutilam tanto como as verdadeiras...”