Esse homem era um velho, com a fronte e o rosto sulcados de rugas, a pele macilenta, e o corpo vergado e encarquilhado como do convalescente de moléstia atroz, debilitante e prolongada.
Quem era ele ninguém o sabia no convento. Chamava-se frei Luís de Santa Úrsula.
Afirmavam alguns leigos que esse velho era um louco; porque às vezes, rompendo fervorosa oração, possuía-se de frenesi, os olhos chamejavam-lhe, rangia os dentes, e caía por terra em delíquio.
Trazia cilícios, jejuava rigorosamente, e as noites velava-as inteiras.
E se lhe pudessem ver o coração aí encontrariam escrito com caracteres de fogo:
– Úrsula!
A noite ia já alta. Era uma destas noites invernosas, em que o céu se tolda de nimbos espessos e negros. Nem uma estrela se pintava no céu, nem a via láctea esclarecia um ponto sequer do firmamento. Era tudo trevas. O vento zunia com estampido e a chuva caía em torrentes com fragor imensos, como sói acontecer nas regiões equatoriais.
Então o sino, lugubremente tangido, anunciou aos irmãos carmelitas que um dos seus tocava as portas da eternidade. E logo no convento agitou-se um longo e lúgubre murmúrio.
Era o salmo que recorda ao pecador que é pó, e encaminha-o no transe derradeiro.
E o cântico misterioso e solene ecoou nas abóbadas do santuário.
O irmão, que gemia a derradeira dor, era o noviço frei Luís de Santa Úrsula, a quem chamavam – o louco.