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porém, como eles, vêm as moças do arrabaldes distantes, com os seus pálidos semblantes e os vestidos característicos. Vêm as armênias das adjacências da rua Larga, em cujos grandes olhos negros, guarnecidos de longos cílios, e com uns duros reflexos de turmalina, a gente vê por vezes passar alguma coisa de ferocidade asiática. Além destes, há operárias em passeio, com as suas roupas amarfanhadas pela longa estadia nos baús. Há caixeiros com roupas eternamente novas e grandes pés violentamente calçados... Por entre essa gente, fomos indo até a balaustrada que dá para o mar, junto à qual nos encostamos, olhando em todo o comprimento a avenida iluminada e movimentada.

— Repara, disse-me Gonzaga de Sá, como esta gente se move satisfeita. Para que iremos perturbá-la com as nossas angústias e nossos desesperos? Não seria mal?

— É um caso de consciência.

— De que me vale esse testemunho? Quem tem certeza das suas revelações? Quem acreditará na sua consciência? Sou pela dúvida sistemática... Eu não sinto evidências. Não sofro daquilo que Renan chamava a horrível mania da certeza. Tudo para mim foge, escapa, não se colhe... O que há são crenças, criações