Voltei a olhá-los. Continuavam a discutir acaloradamente; faziam comparações com a força de outros países vizinhos, e passava-lhes pelas faces uma irradiação de orgulho quando o cotejo nos era favorável. Por que aqueles homens maltratados pela vida, pela engrenagem social, cheios de necessidades, excomungados, falariam tão santamente entusiasmados pelas coisas de uma sociedade em que sofriam? Por que a queriam de pé, vitoriosa — eles que nada recebiam dela, eles que seriam espezinhados pela mais alta ou pela mais baixa das autoridades se alguma vez caíssem na asneira de ter negócios a liquidar com alguma delas? Não seria fundamental, estrutural, em todos nós, neles como em mim, esse espontâneo separar das nossas dores, a provável culpa do corpo social em que vivemos? Poderíamos viver? sem ele, sem as leis e sem as regras que nos esmagam? Secretos ditames de nossa natureza não nos impunham essa subordinação resignada? Quem sabe lá? E, conforme tão bem dizia Gonzaga de Sá, que tinha eu, homem de imaginação e de leitura; que tinha eu de levar desassossego às suas almas, às daquela pobre gente, de lhes comunicar o meu desequilíbrio nervoso? Olhei-os ainda uma vez. Um deles desconfiou e sorriu