de penetração na sua mirada, que eu quis bem crer estar ele no propósito de decifrar o futuro do pequeno. Certa vez, depois de um olhar destes, disse-me:
— Esta vida é um conto do vigário...
Só a presença do afilhado não me bastava para explicar a mudança de humor de Gonzaga de Sá, que, agora, via e visitava amiudadamente, conforme ele me pedira.
É verdade que sempre o conheci triste; mas de uma tristeza, por assim dizer, filosófica, geral, essa tristeza de sentir profundamente a mesquinhez da nossa condição humana, em luta sempre com o imenso dos nossos desmarcados sonhos e desejos. Porém, agora, a sua tristeza era mais atual, mas terra à terra. Dir-se-ia que a presença do Aleixo Manuel, o afilhado, tinha levantado do fundo da pessoa do meu amigo lembranças dolorosas que sepultara para sempre; lembranças essas que eram seu segredo e das quais nunca me falou e não encontrei o mínimo indicio para descobri-las nos papéis que ele me legou, por testamento, juntamente com umas centenas de livros. Lembro-me, ao escrever estas linhas, que um dia ele me dissera:
— Já tiveste algum amor?
— Nunca.