Pacotilha poetica/Que feitiço fará para lhe quererem bem

SENHORAS

2 Vossos olhos já contém
  Boa dóse de feitiço,
  Se a quem amais já vos ama
  E' bom que deixei-vos disso.

3 Uma noite triste e feia
  Um phantasma encontrareis,
  Perguntai-lhe o que convem,
  E o que convier fareis.

4 Faces de rosa, olhos bellos,
  Dentes alvos, qual jasmim,
  Coração a amar sujeito,
  Contém feitiço sem fim!

5 O feitiço sois vós mesma,
  Qu'elle está enfeitiçado;
  Pobre louco! cahio logo
  Qual namorado salgado.

6 N'um anzol de prata ou ouro,
  Põe por linha o teu cabello,
  Põe por isca o coração,
  E verás que peixe bello!

7 Olhai, olhai e olhai;
  Vossos olhos soberanos
  Por feiticeiros captivam
  Os tristes pobres humanos.

HOMENS

2 Ha sómente um no mundo
  Que ser bom vos assevero;
  E' com as damas que tratardes
  Serdes bom e mui sincero.

3 A cabeça de andorinha
  Torrada e posta em rapé,
  Dada á dama desdenhosa
  Fal-a ter por nós mais fé.

4 Pedi a essa a quem amais
  Tão sómente um seu cabello,
  Trazei-o sempre no peito;
  Não ha effeito mais bello.

5 Fingi que sois muito rico;
  Dai ao pai mui bom rapé,
  E' feitiço que não falha
  A quem tem por elle fé.

6 Os seus olhos são tão bellos,
  Têm um olhar tão certeiro,
  Que todo e qualquer feitiço
  Será contra o feiticeiro.

7 Dize á feia a quem amas,
  Que ella é bella, e muito bella,
  E seu amor tu terás
  Por tamanha bagatella.

SENHORAS

8 Vós sois mesmo feiticeira,
   Sem terdes nenhum feitiço;
   No coração, minha bella,
   E' que tendes tudo isso!

9 Não ha feitiço que faça
   A um homem querer bem,
   Se a mulher pelos seus olhos
   Sobre elle poder não tem.

10 O feitiço é um disfarce;
     Amai sem dar a saber,
     Fingi mesmo desdenhar,
     Que tudo havereis de ter.

11 Uma cabocla bem velha
     Um feitiço vos dará,
     E o moço que vos detesta
     Inda por vós morrerá.

12 Uns bolinhos de araruta
     Com sumo verde de ortiga,
     Vos farão vencer sem custo
     A esse não-sei-que-diga.

HOMENS

8 Feitiço não ha que preste
  Para essas cousas de amor,
  Os philtros, dantes da moda,
  São nada hoje em rigor.

9 Nos idyllios de Bocage
  Mil feitiços achareis,
  Com que de vossas amantes
  Os rigores vencereis.

10 Não ha feitiço que vença
  Uma moça meiga e calma;
  Só se fôra do Aboim
  Esse— Sim de minha alma.

11 Eu cria em philtros, eu cria,
  Mas hoje não creio, não;
  Olhai, o melhor feitiço
  E' ganhar o coração.

12 Olhai que todo o feitiço
  Volta contra o feiticeiro;
  Não ameis essa menina
  Que tem pai tão risingueiro!