— Rapariga - principiou ela sentando-se junto à Henriqueta -, não há nada como ser mãe; se algum dia tiveres essa dita, verás o que é querer bem a um filho. E que doce prazer tem a gente quando vê seus filhos alegres como os passarinhos!
— Jesus! parece que o coração desfaz-se todo em risos! a mãe anda tão cheia de si, que nem se lembra mais dos seus flatos.
— Mas tu ainda não podes avaliar estes prazeres; deixa dizer-te que tal me houve com o doutor. Saí daqui e fui dizendo comigo: se o doutor puser algum senão no meu filho, vou-lhe logo dizendo daquelas que ele nunca jamais ouviu. Era o que me faltava a mim, ver um rapaz tão cheio de prendas e qualidades como o teu irmão, e sem merecimentos para casar-se com a filha de um doutor! Que merecimentos tinha eu para casar-me com teu pai? Não era eu uma rústica roceira, e ele um pintor de nome, na cidade?
Pondo os pés dentro da casa do homem mal lhe dei os bons dias fui começando: - senhor doutor, traz-me tão cedinho a sua casa uma lengalenga muito embrulhada. Sua mercê tem um coração de pai e eu cá tenho um coração de mãe, e ainda que sua mercê tenha muito amor a sua filha, esse amor não faz a metade do amor que eu tenho a meu filho. Andava-me o pobre rapaz de uns dias para cá todo triste e amuado; já não conversava nem ria como dantes. Aquilo tocou-me o coração, e mais e depressa cuidei em bisbilhotar o que me entristecia o filho. O senhor doutor não adivinha o que seria? O doutor respondeu-me que não. Eu disse-lhe que também não tinha adivinhado, e fui para diante com a ladainha. Pois o rapaz, depois de eu e sua irmã pedir e mais pedir, abriu a boca, dizendo que e andava triste da vida, porque os passarinhos andavam contentes da sua, como também as ovelhas e mais viventes, e isto significava que ele em ser criatura não podia amar a quem bem quisesse, enquanto os passarinhos amavam como lhes era da vontade. Sabidas as contas, o rapaz apresentou este quadro, dizendo ser o retrato da pessoa e ele amava, cuja conheci logo e que o senhor doutor também conhece. Descobri o retrato e mostrei-lho.
— Minha filha - disse ele, deitando os olhos no retrato.
— Sim, a menina Emília, e o que tem isso? - perguntei-lhe.
Ele se pôs a pensar. Eu estava vendo que se ele me dissesse algum dito contra o rapaz, atirava-lhe com o quadro à cara e vinha-me para casa dar de conselho a teu irmão que se deixasse de querer casar com a filha de um malcriado.
Mas o doutor, que não é nenhum malcriado, pensou um bocadinho e abriu a boca pedindo-me que deixasse ficar o retrato; que mandasse o teu irmão se entender com ele; que teu irmão é um rapaz de muitas prendas, muito bem comportado, e muito merecedor de ser amado pela menina Emília.
Ao chegar neste ponto, Henriqueta levantou-se e sem prestar mais atenção à sua mãe, foi bater no quarto do irmão.
— Rapariga noveleira - gritou-lhe a mãe -, não me acordes o rapaz.
Henriqueta continuou a bater, até que a voz de Paulo veio dizer-lhe que seu irmão já estava de pé.