Feita a refeição, Paulo foi ter com o comendador.
O pai de Emília não alterou a sua afabilidade para com o jovem pintor, que parecia bastante perturbado.
Era o abalo dessa fibra de pejo, que se move no coração do mancebo, a presença do ancião a quem vai falar do amor que lhe inspirou sua filha.
O comendador fez sentar ao pé de si o jovem amante, principiando com jovialidade:
— Não desanime, sr. Paulo, que dessa doença não há de morrer. Sua mãe expôs-me tudo e eu não desestimei saber que um moço dedicado ao trabalho, cheio de aspirações dignas da inteligência que a força de vontade tem cultivado, na falta de outros meios, numa palavra, um moço dotado de tanto senso como o sr. Paulo, não desestimei saber que amava a minha filha. Antes, porém de assentarmos num compromisso, julgo conveniente dizer-lhe algumas palavras a meu respeito e também dela.
Até aqui o sr. Paulo merecia-me toda a consideração, mas, desde este instante em que começo por considerá-lo um filho próprio, faz-me credor de toda a minha intimidade, e portanto vou falar-lhe com toda a franqueza de pai para filho.
E o comendador começou a expor familiarmente todos os principais pontos da sua vida rematando neste teor:
— Com a política desperdicei toda a minha fortuna, e juntamente a herança que coube por morte de sua mãe à minha filha. Na corte deixei credores, a quem nunca mais poderei pagar o que devo, sendo um deles o avô de Emília, que, mesquinho como é, e ainda mais meu inimigo capital, por sua morte incluirá, naturalmente, na herança de sua neta a minha dívida. Não tem, pois, Emília, outro dote que não seja alguma inteligência...
— Perdão - interrompeu Paulo -; d. Emília tem um dote que eu não trocaria por todas as moedas do mundo: o coração; e eu sou moço e saberei trabalhar.
— Já o sabe - tornou o comendador -, e eu prezo ouvi-lo falar assim. Agora - prosseguiu levantando-se - deixe-me ir chamar a minha filha, creio que a surpresa ser-lhe-á agradável.
Não foi preciso. Emília apareceu, alheia ao que se tratava, e sem cuidar naquele momento ir encontrar-se com Paulo.
A desprevenida donzela enrubesceu dando com os olhos em seu amante, que, ao contrário dela, empalideceu.
— Ainda bem que vieste - disse-lhe o comendador sentando-se outra vez -, levantava-me para ir chamar-te.
Emília e Paulo trocaram entre si uma acanhada cortesia.
— Então o que há de novo? - perguntou ela quase sobressaltada sentando-se junto a seu pai.
— Não adivinhas ? - tornou-lhe o comendador,
— Não - balbuciou ela.
— Pois eu te explico: o sr. Paulo veio participar-nos que... vê se podes adivinhar o resto?
— Não... sei... - respondeu Emília dividindo as palavras.
— Veio participar-nos que vai casar-se...
— Ah! - exclamou a donzela involuntariamente e empalidecendo - vai casar-se?!
E curvou a fronte, tentando furtar aos olhos de seu pai o segredo que, malgrado seu, seus olhos revelavam.
— O sr. Paulo - continuou o comendador dissimulando nada ter percebido - ainda foi mais delicado, pois que vindo participar-nos o seu propósito, trouxe-nos o retrato de sua futura noiva...
Emília estremeceu
O comendador levantou-se, foi à sua secretária e voltou trazendo um quadro. Era o mesmo que não havia muito, lá tinha deixado ficar a mãe de Paulo.
— Eis o retrato da noiva do sr. Paulo - continuou ele apresentando o quadro à sua filha.
— Meu pai - exclamou ela vendo-se retratada, e deixou cair levemente sobre o ombro de seu pai a sua mimosa fronte.
— Correu-se o véu do segredo, minha filha; o artista, que tão bem soube roubar-te as feições, em paga do coração que lhe roubaste, espera a sua sentença; estende-lhe a mão e sentencia-o.
As mãos dos amantes estenderam-se, o comendador as uniu; apertaram-se reciprocamente, pronunciando ambos e a um tempo o nome daquele sentimento que lhes afagava os corações - amor.