Só pela madrugada foi que Paulo tornou a si.
— Onde estou, de onde vim eu? - perguntou ele.
— Estás no te quarto - respondeu Eugênio que velava a sua cabeceira.
Paulo fez um esforço para sentar-se. Ajudado por Eugênio, sentou-se à beira do leito, desfigurado como um cadáver.
— Sabes - disse ele apertando com força a mão de seu amigo -, quando ela morreu eu senti suas mãos frias apertarem as minhas, e ouvi dizer-me nos ouvidos. "adeus para sempre!"
E o infeliz tornou a desfalecer.
Pela manhã acordou no seu estado normal, ficando surpreendido ao dar com Eugênio adormecido, sentado numa cadeira.
— Eugênio! Eugênio? - chamou Paulo. Eugênio abriu os olhos.
— Por que estás aí, Eugênio?
— Eu sei homem - respondeu Eugênio espreguiçando-se - fizeste de noite uma revolução dos diabos, e se não fossem as boas maneiras da sra. Escolástica, acordavas agora lá pela polícia.
— Mas - tornou Paulo: - que diabo fiz eu?
— Não sei o princípio - respondeu Eugênio levantando-se. - Sei que à uma hora da noite, recolhendo-me à casa, vi um ajuntamento aí na porta; perguntei o que era; responderam-me que tinha-se suicidado aqui em cima um inquilino da casa. Subi e vim dar contigo estendido no meio do quarto...
— Sim... sim... - atalhou Paulo. - Tentei suicidar-me.
— E por quê ? - perguntou Eugênio.
— Quase sem razão - respondeu Paulo - Olha, tira umas cartas que ali devem estar nos bolsos da minha sobrecasaca e lê, mas não me digas a respeito dos seus conteúdos uma só palavra.
Eugênio remexeu os bolsos da sobrecasaca digitada, tirou as três cartas e leu para si.
— Aqui tens - disse ele entregando as cartas a Paulo depois de as ler.
— Ainda serás capaz de dar um passo românico ? - tornou-lhe Paulo.
— Romântico... muito romântico, senhor - respondeu Eugênio.
— Sabes - acrescentou ele - que eu tenho queda natural para as emoções românticas?
— Bem - tornou-lhe Paulo - abre a gaveta daquela mesa, tira todo o dinheiro que lá encontrares, vai à agência e toma três passagens para Pernambuco no vapor que deve sair no dia 11. E vamo-nos embora todos os três, eu, tu e Sócrates.
— Mas...
— Tens alguma coisa - replicou Paulo - que te prenda a esta corte?
— Não.
— Pois vamo-nos embora. Dás um passeio e lucrarás com isso. Aqui não tens família; ali encontrarás uma velha mulher que te servirá de mãe, e uma pobre donzela, que te amara como a um irmão.
— Está dito - disse Eugênio com resolução; - acompanho-te. Viva a fortuna com os seus caprichos! Onde é que está o dinheiro?
— Na gaveta daquela mesa.
— Estou completamente resolvido - disse o galhofeiro moço, abrindo a gaveta e tirando o dinheiro que nela se continha.
— Toma as passagens - tornou Paulo -, e com o resto do dinheiro arranja-nos o que vires que podemos precisar.
— Nunca viajei - replicou Eugênio; - mas é o menos; vou pensando pelo caminho. Eu volto já; não te levantes, que vou dizer à sra. Escolástica que te mande o que almoçar.
Eugênio tinha compreendido o estado melindroso de seu amigo, e mais de uma vez passou-lhe pela idéia a lembrança de que Paulo estava em risco de enlouquecer. Foi esta lembrança que fê-lo tão facilmente resolver-se a acompanhá-lo.
No dia 11, enfim, pela manhã embarcaram os dois malfadados e seguiram viagem para Pernambuco.
A bordo, Paulo, de dia para dia, foi-se tomando mais taciturno. Embalde fez Eugênio do o que pôde para distraí-lo; o infeliz artista de hora em hora foi parecendo mais e mais abstraído com urna idéia triste, acabando, finalmente, por emudecer de todo.