Um ditado popular afirma que “todos os caminhos levam a Roma”, mas a verdade é também seu contrário: “todos os caminhos partiram de Roma”. A cidade, alcunhada de “eterna”, situada no centro da Itália, é o ponto crucial da Europa e do mundo ocidental, geográfica e historicamente. Há duas lendas sobre as origens da caput mundi, o antigo centro do Império Romano e atual capital da Nação italiana e da Religião Católica. A primeira, mais antiga e idealizada, conecta as origens de Roma à civilização troiana (séc. XII a.C.), pois o herói Eneias, após o incêndio de Troia, em busca de uma nova terra prometida pelo Fado, teria chegado até o Lácio, lutado contra os povos indígenas da região e casado com a latina Lavínia. Seu filho Ascânio, também chamado de Julo, teria dado origem à família Júlia, a que pertencia o imperador Otávio Augusto. Tal lenda encontra-se consagrada no famoso poema épico A Eneida, do escritor romano Virgílio, do séc. I a.C.
Outra lenda remonta ao séc. VIII: o deus Marte engravidou a bela Reia Sílvia, filha do rei de Alba, consagrada à Vesta, a deusa da castidade. Deste amor proibido nasceram os gêmeos Rômulo e Remo que, jogados nas correntezas do rio Tibre, foram salvos por uma loba. Daí o símbolo de Roma ser a estátua de uma loba amamentando dois recém-nascidos. A imagem dos bebês pendurados nas tetas da loba se perpetrou por longos séculos no subconsciente dos italianos e hoje está a representar os políticos, divididos numa miríade de partidos, a sugar no peito da amada Pátria. Atualmente, a Itália e o Brasil estão travando uma acirrada disputa com a Grécia moderna para a conquista do troféu do país mais corrupto e mais leniente com a impunidade, entre todos os povos do Ocidente.
Criados por pastores, Rômulo e Remo fundaram a cidade de Roma. Rômulo acabou matando seu irmão por transgredir a ordem de não ultrapassar os limites estabelecidos por ele. Em seguida, o valentão perpetrou o que passou à história como o “Rapto das Sabinas”: para povoar a nova cidade, Rômulo, junto com um bando de primitivos, foi a uma festa na cidade de Sabina e levou embora várias moças. Enquanto os pais, irmãos e maridos das jovens raptadas organizavam a vingança, os romanos engravidaram suas mulheres que, portanto, impediram a luta entre as duas povoações. A união de antigos habitantes do Lácio foi o núcleo do que será mais tarde o glorioso Império romano.
Conforme esta segunda lenda, Roma foi fundada ao redor do ano 753 a.C e povoada por etruscos e outras etnias da península itálica. Aos poucos, todos os antigos povos da Itália foram dominados pelos romanos, que começaram a se preocupar com as instituições públicas para dar consistência ao Estado. Terminado o período arcaico da monarquia, quando se sucederam sete Reis, Roma passou a ser governada por dois cônsules, eleitos anualmente pelos dois partidos: o aristocrático (dos ricos = patrícios) e o democrático (dos pobres = plebeus). O órgão político superior era o Senado.
Roma iniciou seu caminho para se tornar uma grande potência com as duas Guerras Púnicas (de 264 a 201), subjugando os fenícios, cuja capital era Cartago, na atual Tunísia. Os pesados tributos dos cidadãos e os impostos que o governo romano cobrava das províncias dominadas acirravam as disputas políticas e engordavam o funcionalismo público. Logo começaram lutas intestinas pelo poder entre os dois partidos: de um lado, os irmãos Tibério e Caio Graco, tribunos do povo, seguidos por Mário, Catilina, Júlio César e Marcus Antônio; de outro lado, os aristocratas Sila, Pompeu, Cícero e Otávio Augusto.
Os idos de março (dia 15) de 44 a.C. é uma data memorável na civilização ocidental. Júlio César foi apunhalado até à morte, em plena luz do dia e no átrio do palácio do governo romano, por um grupo de Senadores, incluído seu filho adotivo Brutus, que conspiraram contra sua vida. Ele fora um grande general (conquistara boa parte da Europa Central, entre outras vitórias), um exímio escritor (De Bello Gallico e De Bello Civile, que tratam da conquista da Gália e da guerra civil na própria Roma) e um político de grande visão. Pertencente ao partido democrático, queria acabar com os latifúndios, distribuindo terras para os soldados que, voltando das guerras, não encontravam emprego. Continuara, assim, a luta dos irmãos Graco, assassinados por defenderem a reforma agrária.
Mas César encontrou a oposição de um Senado decrépito e conservador, temeroso de perder suas mordomias. Aparentemente, o motivo do assassínio era nobre: a defesa das liberdades democráticas, face ao perigo da instauração de um regime ditatorial. Júlio César, aproveitando-se do enorme prestígio popular, quer pelas suas vitórias militares, quer pela sua compreensão das necessidades do povo, poderia tentar um golpe de estado, fechando o Congresso. É difícil saber quais eram as intenções do grande líder. Uma coisa é certa: ele tinha consciência de que a corrupção dos costumes políticos tornara Roma ingovernável, precisando de uma nova ordem institucional.
E a história lhe deu razão: logo após a morte de César, não houve mais eleições livres. O poder foi arbitrariamente e por acordo nupcial (Antônio casou com Otávia, irmã de Otaviano) dividido entre o cônsul Marcus Antônio, a quem coube o domínio do Oriente e Otávio, sobrinho e filho adotivo de César, que ficou com Roma e a parte ocidental do império. Antônio estabeleceu sua capital em Alexandria e, repudiando a esposa Otávia, se casou com a ambiciosa e sedutora Cleópatra VII, última rainha da dinastia dos Ptolomeus. Ela, depois de enviuvar de dois seus irmãos (casara, sucessivamente, com Ptolomeu XIII e XIV), acabou seduzindo Júlio César que a levou para Roma. Após o assassinato do seu amante, voltou para Alexandria e, logo em seguida, enredou nas suas malhas amorosas o recém chegado novo chefe romano, Marcus Antônio.
Antonio e Cleópatra ampliaram o domínio de Alexandria no Oriente, subjugando várias províncias romanas, o que suscitou a vingança de Otávio, que declarou guerra aos dois e os venceu na batalha de Ácio, em 31 a.C, tornando-se o único dono do mundo romano. Marcus Antônio, acreditando na morte de Cleópatra, se suicida. Shakespeare deve ter-se inspirado no final desta paixão amorosa quando escreveu Romeu e Julieta. Aliás, o dramaturgo inglês compôs duas peças sobre os dois amantes da rainha do Egito: Júlio César e Antônio e Cleópatra.
Enquanto isso, em Roma, o Senado conferia a Otávio o título de Princeps, com o nome de Caius Julius Caesar Octavianus Augustus, e de Grande Pontífice, somando o poder militar, político e religioso. O regime de Roma passou de República a Principado, uma monarquia disfarçada, que logo após sua morte se tornou Império, permitindo a transferência do poder por herança genética. Adeus democracia romana! Mas o Principado de Augusto teve seus méritos. Em poucas décadas, de 31 a.C. a 14 d.C., Roma teve uma florescência comparável ao apogeu da Atenas da época de Péricles. Augusto foi, sem dúvida alguma, um déspota esclarecido. Ele conseguiu pacificar as correntes políticas internas e frear o ritmo de expansão externa, estabelecendo a pax romana, também chamada “Paz de Augusto”.
Convencido de que uma reforma de costumes não se faz pela força, mas pela mudança de mentalidade, com base em princípios ideológicos, Augusto se circundou das mais belas inteligências da época. Servindo-se da amizade do rico Mecenas, protetor de poetas e artistas, solicitou a colaboração de Virgílio e Horácio, as duas maiores expressões da Literatura Latina. Toda a obra do poeta Virgílio veio ao encontro do propósito de Augusto. O poema épico A Eneida, baseado na lenda da viagem do herói Eneias ao Lácio, conecta a origem de Roma com a antiga civilização troiana; os Carmina Bucólica, também chamados de Éclogas, exalta o amor, a alegria e dor dos que vivem no campo; as Geórgicas, poema didático em quatro livros, ensina o cultivo da terra, o plantio das árvores, a criação do gado e das abelhas. O poeta Horácio, por sua vez, em várias de suas Odes, exalta o espírito patriótico.
O programa de Augusto, porém, não teve êxito, pois seus sucessores transformaram o Principado numa ditadura imperial, cometendo as maiores barbaridades. O primeiro Imperador foi Tibério, enteado de Augusto, que assumiu o nome de Tiberius Julius Caesar, dando continuação no poder à família Júlia, institucionalizando o cesarismo. No início, Tibério foi um general de costumes austeros, mas, aos poucos, sensível à hostilidade do Senado e de outras forças políticas, tornou-se amargo e vingativo, estabelecendo um regime de terror. Até que, em 29 d.C., se refugiou na ilha de Capri, curtindo uma refinada devassidão.
Seu sucessor, Cláudio I, gago e sofrendo de uma espécie de “delírio tremens”, mandou matar a escandalosa esposa Messalina, casando-se com Agripina, que o envenenou para que seu filho Nero o sucedesse no trono. Lúcio Domício Cláudio Nero (37-68), embora educado pelo filósofo estoico Sêneca, não conseguiu escapar da tutela perniciosa da mãe Agripina. Após determinar o envenenamento de Britânico, o filho do seu antecessor Cláudio, mandou matar a própria mãe e obrigou seu mestre a suicidar-se. O incêndio de Roma, em 64, atribuído aos cristãos, segundo outra versão, foi provocado pelo próprio Nero como inspiração para compor um poema épico, imitando Homero que tinha cantado a destruição de Troia.
O regime monárquico e hereditário levou, aos poucos, ao declínio do Império romano, apesar de sua expansão sob a família Flávia (Vespasiano, Tito Domiciano) e os Antoninos (Trajano, Adriano, Marcus Aurélio), em razão dos conflitos internos e das revoltas dos povos subjugados. Assim, em 410, os dois filhos do Imperador Teodósio I dividiram o Império em duas partes: o Ocidente latino e o Oriente grego. O Império Romano do Ocidente teve vida breve não resistindo às invasões de visigodos, francos, hunos e burgúndios: em 455 Roma foi saqueada e em 476 foi deposto Rômulo Augústulo, o último Imperador. Já o Império do Oriente durou por quase um Milênio, com sede em Constantinopla, a antiga Bizâncio, terminando em 1453, quando os muçulmanos ocuparam a antiga capital bizantina, dando-lhe o nome de Istambul.
A herança de Roma teve aspectos positivos e negativos. O grande mérito dos latinos foi ter helenizado os territórios por eles ocupados. Diferentemente de outros povos invasores e colonizadores, os romanos respeitaram e divulgaram a cultura grega. Este reconhecimento é dado por uma pessoa insuspeita, o poeta latino Horácio:
Graecia capta ferum victorem vicit
et artes intulit agresti Latio
bárbaro vencedor (o povo latino) e introduziu as artes no Lácio selvagem.”
Roma adaptou à psique de seus habitantes e difundiu pelo mundo o conjunto da cultura que herdara da Grécia: a mitologia, a poesia épica e lírica, o teatro, a filosofia, as artes plásticas, as olimpíadas, a democracia. Talvez, a única contribuição propriamente latina fosse uma compilação de leis civis e penais, o chamado Direito Romano, disciplina ainda hoje ministrada em Faculdades de Direito. Ma o conceito de cidadania para todos e de justiça social ficou apenas no papel, nunca foi posto em prática.
A sociedade romana, como a grega e a oriental, não deixou de ser machista, escravagista e injusta. Os povos vencidos nas guerras eram considerados escravos; as mulheres não tinham direitos civis; a própria sociedade romana era dividida em estamentos: a classe dos senadores, dos cavaleiros, dos magistrados. Quem não tivesse recursos econômicos (a plebe) era chamado de “proletário”, pois o único bem que ele podia oferecer ao Estado era a “prole”, o filho, para servir como soldado ou como agregado a uma família nobre, vivendo de caridade. Nos períodos de carestia, de turbulência social ou na vigência de campanhas eleitorais o governo distribuía panem et circenses (o pão e o circo) para esconjurar as tentativas de revolta popular. Este costume não mudou muito: hoje se oferece ao povo carente e desinformado a bolsa família e os campeonatos de futebol, em troca dos votos para clãs de políticos se perpetuarem no poder. Nihil novi sub sole (“nada de novo sob o sol”): a história da exploração do povo ignaro se repete!