Pensar é preciso/VI/As Cruzadas

O Renascimento depois do ano Mil: as Cruzadas.


Volta e meia, são veiculadas notícias sobre um próximo fim do mundo por crentes de vários credos, que acham que os tempos estão acabando, tendo chegada a hora do Juízo Final ou do Apocalipse. Tornaram-se famosas as profecias de Nostradamus, médico e alquimista francês da época da Renascença. Anteriormente, na primeira fase da Idade Média, as superstições sobre o fim do mundo eram abundantes. Por uma delas, os povos acreditavam que o mundo acabaria no fim do milênio. Mas, a data redonda passou e a vida no planeta continuou. Então, um sopro de vitalidade se espalhou pela Europa toda, despertando o homem do longo sono em que vivera na primeira época da Idade Média. O devoto esclarecido começou a sentir a necessidade de questionar os dogmas em que devia acreditar, de entender sua crença, de ter a liberdade de pensar com sua própria cabeça. O pioneiro deste novo tipo de homem medieval foi o francês Pedro Abelardo (1079-1142), lingüista, teólogo e filósofo. Ele se tornou famoso por nutrir uma louca paixão amorosa pela bela Heloísa, sobrinha de um cônego rico, contrário ao casamento por motivo de diferença de classe social. O trágico fim dos dois amantes espelhou o mito do amor romântico de larga fortuna na literatura e nas outras artes. Ficou famosa sua expressão:

intelligo ut credam (“quero entender para acreditar”),

em oposição ao lema anteriormente usado

credo ut intelligam (“eu acredito para entender”).

Esta postura intelectual de Abelardo será retomada séculos depois, quando a Renascença européia chegou ao ápice.

O primeiro passo importante para a gradativa passagem da Idade Média ao Renascimento foram as Cruzadas. Até a segunda metade do séc. XI, houve uma convivência pacífica entre os muçulmanos, chamados também de árabes ou sarracenos, e os cristãos que faziam suas peregrinações a Jerusalém, onde estava o Sepulcro de Cristo, e a outros lugares sagrados. Mas, com o início da decadência do Império Romano do Oriente, de cultura greco-bizantina, hordas de turcos da dinastia dos seldjúcidas ocuparam, em 1071, a cidade considerada santa pelas três religiões monoteístas. Eles começaram a capturar os peregrinos, vendendo-os como escravos. O Papado de Roma, apesar do cisma de 1054, que separara a igreja cristã em Romana (ocidental) e Ortodoxa (oriental) reagiu ao ataque dos turcos, convocando todos os reis e príncipes cristãos da Europa para libertar a cidade de Jerusalém.

O apelo do papa Urbano II foi atendido de bom grado, porque, além do motivo da defesa da fé cristã, os comandantes dos exércitos europeus vislumbravam negócios lucrativos com o Médio Oriente, uma vez quebrada a hegemonia árabe no mar Mediterrâneo. Foram organizadas seis expedições militares ao longo de quase dois séculos. A primeira “Cruzada”, assim chamada porque os soldados cristãos usavam uma cruz estampada no peito, aconteceu em 1096 e foi um fracasso. Logo se seguiram outras, capitaneadas por príncipes franceses e alemães, que conseguiram libertar o Santo Sepulcro de Cristo, mas não de uma forma definitiva. Se, do ponto de vista militar, as Cruzadas não tiveram o resultado esperado, sua contribuição para o desenvolvimento econômico e cultural da Europa foi enorme. Ao romper o predomínio muçulmano na bacia do Mediterrâneo, abriam-se as portas para a troca de mercadorias e o intercâmbio cultural entre civilizações diferentes. Quem mais se beneficiou foram as cidades marítimas italianas (Nápoles, Gênova, Pisa, Veneza), banhadas pelo Tirreno e Adriático, que se tornaram as primeiras potências econômicas da época medieval. As Cruzadas provocaram a primeira revolução comercial estabelecendo uma ponte entre o Ocidente e o Levante.