Pensar é preciso/VII/Existencialismo: Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Schopenhauer, Nietzsche


O Existencialismo: Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Schopenhauer, Nietzsche.

Na segunda metade do séc. XIX, junto com a grande produção literária, assistimos ao florescimento de uma reflexão filosófica à margem das bitolas do racionalismo cartesiano, do idealismo hegeliano ou do positivismo científico. São pensadores independentes preocupados mais com a compreensão da realidade cotidiana do que na construção de esquemas teóricos de raciocínio abstrato, ora exaltando a enorme potencialidade do ser humano, ora apresentando um profundo pessimismo existencial. E são eles a lançar os pressupostos ideológicos de comportamentos nacionais e sociais que irão predominar no Ocidente ao longo do século seguinte. Importante foi a corrente do Existencialismo que começou com Kierkegaard, continuou com Heidegger, chegando a Sartre.

Sören Kierkegaard (1813-1855), filósofo da Dinamarca, foi o primeiro a relevar a importância do homem em si, como indivíduo, e não apenas como um simples elemento de um macrossistema especulativo, tipo racionalismo francês ou idealismo alemão. Ele trabalhou com a oposição entre essência (a natureza profunda das coisas, no plano ideal) e existência (o que existe, “está aí”, no plano da realidade). Deixando de lado as especulações sobre a essência de Deus ou a origem do Universo, preocupou-se com a problemática da existência humana, especialmente com o sentimento de culpa face ao livre arbítrio. Kierkegaard, marcado pela austeridade paterna, pela frustação amorosa e pela religiosidade cristã, explora o tema do valor subjetivo da verdade: é a experiência que ordena nossas idéias, e não o contrário. Assim, na fase juvenil do homem predomina o valor estético (o culto da beleza e da sensualidade); no período adulto, o valor ético (a consciência da prática do bem); na maturidade, o valor religioso (a resignação à vontade de Deus). Entre suas obras, assinalamos: O conceito de angústia e As estapas do caminho da vida.

Martin Heidegger (1889-1976) é um pensador alemão, discípulo de Edmund Husserl, o pai da Fenomenologia, uma filosofia de vida construida a partir da percepção dos objetos conforme aparecem a nossa consciência. Diferentemente de Kierkegaard, Heidegger considera que a angústia do homem não está relacionada com problemas religiosos, mas com a própria existencia como tal. Ele chama de Dasein o “ser-aí”, aquele que existe mas, ao mesmo tempo, tem a consciência que pode deixar de existir, a qualquer momento, visto que o homem é um “ser-para-a-morte”. O pensamento heideggeriano supera ainda o subjetivismo de Kierkegaard por ver o homem como um “ser-em-comum”: o espírito de solidariedade e o produto do trabalho de cada um estabecem entre os homens uma comunhão de sentimentos tão grande que pode chegar ao amor recíproco. Segundo ele, podemos chegar à vivência de uma totalidade existencial através da prática da arte, especialmente da poesia, pois a palvra metafórica tem capacidade de exprimir a realidade mais autêntica do ser. Sua obra fundamental é O Ser e Tempo.

Jean-Paul Sartre (1905-1980) leva tendências do Existencialismo e da Fenomenologia até o plano social, aderindo ao Marxismo. Nascido em Paris, além de filósofo, foi dramaturgo, romancista, crítico, político. Sua principal preocupação foi a análise dos problemas da existência humana, colocando sua vida de homem e de intelectual a serviço das causas proletárias, estudantis e da opressão das nações do terceiro mundo pelo capitalismo selvagem. Seu ódio contra a dominação capitalista o levou à recusa do Prêmio Nobel de Literatura, em 1964. Como também, de outro lado, criticara fortemente o desvirtuamento dos ideais marxistas quando o governo soviético mandou ocupar militarmente a Hungria, em 1956. As posições ideológicas do Sartre jovem sofreram alterações devido ao seu espírito aberto e às frustrações com seu engajamento político. No fim, seu lema passou a ser a liberdade em qualquer forma de atividade, considerando o homem responsável por tudo aquilo que é ou faz. Contesta, portanto, a tese do positivismo-determinismo, que sustentava a estreita dependência dos fatores do ambiente e da hereditariedade na formação da personalidade. O título de uma de suas obras mais importantes é significativo: O existencialismo é um humanismo.

Arthur Schopenhauer (1788-1860) intitulou sua obra principal O mundo como vontade e representação, em que desenvolve os dois conceitos que estão na base do seu pensamento filosófico: a vontade humana (o sujeito que pense, que sente e, sobretudo, que “quer”) e o objeto do seu querer, que é a realidade exterior, vista em forma de representações ilusórias, que nunca satisfazem completamente nossos desejos existenciais. Seu conceito de vontade corresponde, mais ou menos, ao id freudiano, sendo um impulso de autopreservação, cego e insaciável, presente em qualquer tipo de natureza vegetal ou animal. Mas, para o ser racional, o “querer viver” é a raiz de todos os males, pois a insatisfação gera ansiedade e angústia. Para a superação deste profundo pessimismo, o filósofo alemão aponta três caminhos: o culto da arte, que propicia ao poeta, ao pintor ou ao músico o refúgio no mundo da fantasia, desligando-se da vida real; a prática da caridade e da piedade que nos afasta do egoísmo; a aniquilação da vontade pelo não-apego, em busca de um nirvana de tipo budista.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) deve ser considerado antes um crítico da filosofia do que propriamente um filósofo, não tendo criado nem aderido a nenhum sistema de pensamento reflexivo e expressando-se por paradoxos ou aforismos. Professor de filologia, foi amigo de artistas, especialmente de músicos (Liszt e Wagner) e um grande apreciador da cultura grega (já falei de Nietzsche a respeito da oposição “apolíneo/dionsíaco”), embora achasse uma besteira o mundo das idéias de Platão, condenando qualquer formas de idealismo transcendental. Junto com a negação da metafísica, não acreditando em nenhuma realidade sobrenatural, Nietzsche ataca frontalmente o Cristianismo por considerá-lo culpado pelo atraso da civilização ocidental. Ele condena especialmente a ética cristã, chamando-la de “moral dos escravos”, pois subverte os valores reais da sociedade, considerando fortes os fracos, gloriosos os humildes, beatos os pobres, felizes os sofredores. Contrariamente ao espírito cristão, o pensador alemão exalta a vontade de potência, a aspiração ao sucesso, a satisfação dos desejos, o culto das artes e das ciências. Ao homem niilista da ideologia cristã, conformado com o sofrimento, Nietzsche contrapõe um “super-homem”, dominador das paixões, que emprega sua força para vencer qualquer obstáculo. Tal exaltação do humano foi interpretada erroneamente por fascistas e nazistas que confundiram o super homem filosófico nietzschiano com o “homem-superior” de raça ariana que Hitler, no seu delírio de dominação, considerava uma etnia pura, forte, invencível. A meu ver, a grande contribuição de Nietzsche reside na exaltação da vontade humana num sentido bem amplo, como oposição e superação de qualquer forma de determinismo biopsíquico, ambiental ou religioso. Super-homem é quem estuda, trabalha, pensa com sua própria cabeça e luta para construir um futuro feliz para si e sua família, e não quem se resigna com a pobreza e a ignorância, vivendo de esmola pública ou privada, ou esperando a salvação num imaginário mundo do além.