A filha.—Oh! mamã quebrou-se-me a agulha.
A mãe.—Vou-te dar outra.
A filha.—Como se fazem as agulhas, mamã?
A mãe.—Vê se adivinhas.
A filha.—Não sei, mamã.
A mãe.—Conheces os metais?
A filha.—Conheço mamã; tenho lá dentro muitos bocadinhos dentro de uma caixa.
A mãe.—Ora muito bem, diz-me lá, as agulhas são de pau, de pedra, de mármore?
A filha.—Oh! não; são de metal; mas de que metal?
A mãe.—Antes de perguntar qualquer coisa, vê sempre se a adivinhas primeiro.
A filha.—Ora espere!... uma agulha é de metal: não é de prata, porque não é branca; não é de oiro, porque não é de um lindo amarelo muito brilhante; não é de cobre, porque não é de um amarelo muito feio, que cheira mal... Então é de ferro, mamã?
A mãe.—Adivinhaste.
A filha.—Mas, mamã, o ferro não é liso e brilhante como as agulhas.
A mãe.—É que é primeiro polido e preparado de certo modo, e depois já se não chama ferro, é aço.
A filha.—Bem, as agulhas são de aço. Agora quero adivinhar como é que as fazem.
A mãe.—É impossível, não és capaz disso; mas hei de levar-te a uma fábrica onde se fazem agulhas. Hás-de vê-las fazer, e hás-de gostar muito.
A filha.—Tinha vontade de saber como se fazem todas as coisas de que nos servimos.
A mãe.—Tens razão; é uma vergonha ignorá-lo.
A filha.—Mamã, deixe-me ver as suas agulhas.
A mãe.—Olha, aí tens o meu estojo.
A filha.—Meu Deus! Que pequeninas algumas! Que lindas! São tão fininhas, tão fininhas!... Muita habilidade há-de ser necessária para fazer uma coisinha tão delicada!
A mãe.—Lembras-te de ver na feira um carrinho de marfim puxado por uma pulga, presa por uma cadeia de oiro?
A filha.—Lembro, mamã; era tão bonito!
A mãe.—Li num jornal alemão que um operário chamado Nerlinger fez um copo de um grão de pimenta, e que dentro deste copo havia mais doze...
A filha.—Que pequeninos deviam ser os doze copos para caberem num grão de pimenta!
A mãe.—E ainda não é tudo; cada um desses copinhos tinha as bordas doiradas, e sustentava-se no pé.
A filha.—Que vontade eu tinha de ver isso!
A mãe.—Tens razão de te admirares da habilidade dos homens. É efectivamente espantoso, e deve saber-se, o modo porque se fabricam certas coisas; contudo ainda há outras obras mais dignas de admiração.
A filha.—Quais, mamã?
A mãe.—Já to digo. (Levanta-se.)
A filha.—Que quer, mamã?
A mãe.—Quero que vejas o microscópio de teu papá.
A filha.—Pois sim; eu gosto de olhar pelo microscópio.
A mãe.—Este é magnífico, e aumenta prodigiosamente os objectos. Vais ver a mais pequenina das minhas agulhas. Repara primeiro como é fina, lisa e brilhante... Agora olha; o que é que vês?
A filha.—Meu Deus, que coisa tão feia! Que agulha tão grosseira!
A mãe.—Vês-lhe buracos, riscos, asperezas, não é verdade?
A filha.—Parece um prego muito grande e muito mal feito.
A mãe.—Pois todas essas imperfeições são verdadeiras, existem na agulha; a nossa vista, por ser muito fraca, é que não dá por elas.
A filha.—O operário que fez esta agulha ficaria envergonhado, se a visse ao microscópio.
A mãe.—Tiremos a agulha, e vejamos outra coisa.
A filha.—O quê, mamã?
A mãe.—O aguilhãozinho de uma abelha.
A filha.—Oh! que pequenino, que bonito!... Como é liso, como é brilhante!... Mas já sei que visto ao microscópio há de acontecer o mesmo que com a agulha.
A mãe.—Pronto: olha.
A filha (olhando).—É esquisito, mamã!
A mãe.—Então?
A filha.—Aumentou, aumentou como a agulha, mas não é áspero, pelo contrario, é perfeitamente liso... A agulha parecia que não tinha ponta, e o ferrãozinho da abelha tem uma ponta tão fina como um cabelo. Porque será isto, mamã?
A mãe.—É porque o operário que fez este aguilhão é muito mais hábil do que o que fez a agulha.
A filha.—Quem é esse operário tão hábil?
A mãe.—É o mesmo que fez o céu, os astros, a terra, as plantas e as criaturas.
A filha.—É Deus.
A mãe.—Exactamente. Pois não é Deus que fez as abelhas e todos os animais?
A filha.—De certo.
A mãe.—Foi ele por conseguinte que fez o aguilhão desta abelha; e aí tens porque o aguilhão é superior à agulha: é obra de Deus. Mas continuemos a olhar pelo microscópio. Aqui está um pedacinho de musselina finíssima. Olha pelo microscópio; o que é que vês?
A filha.—Vejo uma rede grossa, desigual, muito mal feita.
A mãe.—Aqui tens agora um pedacinho de renda delicadíssima.
A filha.—Essa estou bem certa que há de ser linda, mesmo vista pelo microscópio.
A mãe.—Então?
A filha.—É horrorosa... Parece feita de pelos grosseiros com grandes buracos desiguais.
A mãe.—As obras do homem são todas assim.
A filha.—Oh! mamã, vejamos agora as obras de Deus.
A mãe.—Sabes o que é isto?
A filha.—Sei, mamã, é um casulo de bicho de seda.
A mãe.—Os fiozinhos que o compõem são muito finos, muito lisos; olha pelo microscópio a ver se te parecem desiguais.
A filha (olhando pelo microscópio).—Não, mamã; os fios são todos iguais, e o casulo é sempre muito liso, muito brilhante.
A mãe.—É porque é obra de Deus. Examinemos outras coisas. O que há sobre este papel?
A filha.—Pontinhos feitos com tinta e manchazinhas redondas feitas também com tinta.
A mãe.—Estes pontinhos e estas manchas parecem-te perfeitamente redondos?
A filha.—Sim, mamã, perfeitamente redondos.
A mãe.—Vê-os agora ao microscópio.
A filha.—Oh! já não são redondos, são todos desiguais.
A mãe.—Tira o papel; vejamos a obra de Deus. É uma asa de borboleta; vês que está mosqueada de pequeninas manchas redondas; olha pelo microscópio; o que é que vês?
A filha.—Vejo a mesma coisa que via sem o vidro, só com a diferença que agora é maior. Que belas que são as obras de Deus!
A mãe.—Merece bem a pena estudá-las.
A filha.—De certo. Farei sempre por isso, comparando-as com as obras dos homens.
A mãe.—E sempre e em tudo hás-de encontrar defeitos nas obras do homem, enquanto que as obras de Deus, quanto mais se observam, mais perfeitas se acham. Deve isto fazer-nos meditar em duas coisas: a primeira é que Deus merece tanto a nossa admiração como o nosso amor; a segunda é que os homens orgulhosos são insensatos, porque não podem fazer nada perfeitamente belo, perfeitamente regular, e as suas obras mais primorosas são cheias de imperfeições, se as compararmos com as obras do Criador.