Foi em um baile de subúrbio que o pintor Abelardo Gomes viu, pela primeira vez, a Cleonices. Com a segurança de vista peculiar aos artistas, compreendeu o que havia de brilho, de graça, e de elegância naquela espada de carne mesmo olhada, assim, através da bainha ed seda daquele vestido. Estatura mediana, corpo harmonioso, tinha o busto firme, o pescoço direito e, nos olhos verdes, um mistério de oceano. A boca abria-se-lhe vermelha como um cravo, e a cabeleira abundante, que a sua coquetaria infantil alvoroçava, era como um turbilhão de ouro fervente, que as brisas agitavam.

Impressionado com aquela harmonia de formas, com aquela graça de maneiras, com aquela singeleza de atitudes, o pintor Abelardo pediu, instou, rogou, para que ela fosse ao seu "atelier", dar-lhe o modelo para uma obra imortal.

E ali estava a moça, tão pudica, tão branca, tão linda, diante do artista glorioso! De pé, uma toalha passada em torno do busto, a cabeleira fulva em desalinho elegante, ia fornecendo ao grande mestre o molde, a imagem, para uma grande tela imperecível. O rosto, os cabelos, o pescoço, os braços modelares, haviam sido, já, apanhados pelo desenho. O seio níveo, que pulara, como um pássaro, das dobras da felpa, estava reproduzindo, já, no esboço do quadro maravilhoso. E ia descer a toalha para mostrar o ventre liso, de virgem, quando ficou toda vermelha, como um fruto sazonado de súbito.

— Ah, professor, perdoe! Mas, eu sou pobre!... — gemeu.

Pousando o pincel na paleta, o artista olhou-a, sem compreender. E Cleonices, toda envergonhada, e ainda mais vermelha, cobrindo as faces de rosa com os dois alvos lírios das mãos:

— Eu não tinha mais água oxigenada...