Não são só os escritores militares que fazem apologia da guerra, muitos civis de outras condições a fazem também. Recordo-me ainda que ultimamente um pregador brasileiro, muito respeitado pelos seus talentos e conhecimentos religiosos chegou, num rapto de eloquência, a asseverar que a guer­ra era divina.

Embora não seja eu ateu de todo e não tenha os conhecimentos do senhor Cunha Pedrosa, que quer um dia feriado, para os brasileiros dar graças a Deus, como se não houvesse dia, hora e minuto em que eles tal não façam, quando lhes acontece alguma boa ou escaparam de alguma má; embora não seja como o eminente senador conterrâneo do senhor presidente, tenho para mim que não é coisa muito cristã chamar-se a guerra de coisa de Deus.

A última guerra parece me dar razões para isso, mas se não fossem somente os fatos propriamente guerreiros como a morte ou inutilização de milhões de homens, etc., etc., bastavam as consequências dela que agora se estão verificando.

Não há dia em que não se abra jornais que não se fique horrorizado com as verificações de lamentáveis desgraças que ela acarretou e está acarretando.

Os telegramas enchem-nos de pasmo e de assombro. Não se os pode ler sem sentir o maior constrangimento e horror.

Parece que a humanidade vai falir; e eles vêm de todas as partes.

Vejam só trechos destes de que todos os nossos diários deram à estampa - descrevendo o estado de penúria em uma das mais importantes cidades:

"Os trens e outros veículos circulam pela cidade, sem iluminação e sem limpeza de espécie alguma. A iluminação da cidade apaga-se às onze horas da noite. Numerosos via­jantes dormem nos hospitais. Todas as casas particulares são obrigadas a alugar os seus compartimentos disponíveis. Afir­ma que esta situação é, com pequenas variantes, idêntica em toda a Alemanha. Por quase toda a cidade falta pão, com­posto atualmente, como durante o período da guerra, de toda e qualquer farinha, exceto da de trigo."

Parece que não é preciso mais pôr na carta, para se poder avaliar o grau de miséria a que cinco anos de guerra levaram um país próspero e rico.

Os males oriundos da guerra não ficaram só no campo material. Foram além e parecem interessar os próprios desti­nos morais da espécie.

No mesmo dia em que os jornais contavam o que se passava na Alemanha, referiam-se também às duras heranças que a guerra legou à Inglaterra.

Uma delas era o aumento pasmoso de divórcios, provindos quase todos por abandono do lar de parte de um dos cônjuges. Transcrevo dois períodos bem eloquentes:

"Nada menos de dois mil casos de separação conjugal estão pendendo de sentença do tribunal e segundo todas as previsões esse número duplicará dentro de um prazo relativa­mente pequeno, conforme se verifica da lista processual."

E o outro diz:

"Mas o que há de realmente interessante nesta crise de divórcios, é que a maioria deles têm sido provocados pela falta de recursos e abandono do lar."

Depois disto tudo, podem ainda os corifeus de Von Bernhardt e outros fazer a apologia da guerra?

Careta, Rio, 22-11-1919.