Poemas e Canções (Vicente de Carvalho, 1917)/Tróvas

Ouve: se amor é pecado,
Eu, pecador, me confesso
De tudo quanto anda impresso
Em meu olhar enlevado.

Se com isso estou perdendo
A minh´alma transviada,
-Minh´alma não vale nada...
Eu peco, e não me arrependo.

Deste ardor em que me inflamo
Direi, para ser sincero,
Que dele somente espero
Amar-te mais do que te amo.

Se rezo, nas minhas preces
Só peço a Deus essa graça:
Que me conceda e me faça
Amar-te quanto mereces.

Eu vivo tão descuidado
De tudo mais desta vida,
Que nem me ocorre, querida,
A idéia de ser amado.

Amor com o feitio desse
Que a si mesmo renuncia,
-Como te agradeceria
O que eu por ti padecesse!

Deixa tu, pois que se farte
Meu olhar impenitente
Todo embebido e contente
Da só ventura de olhar-te.

Sem razão foras severa
Com a pobre de uma roseira
Por que ela, queira ou não queira,
Dá rosa, se é primavera...

Deus, que nos pôs face a face
E deu-me os olhos que tenho,
Nisso mostrou certo empenho
Em que eu te visse - e te amasse.

Por força da lei divina
E não, decerto, por gosto
Quando pousa no teu rosto
O meu olhar se ilumina.

Perdoa a muda insistência
Dos olhos que a ti levanto:
Olhar-te é o supremo encanto
De toda a minha existência.

Olhar-te... Delícia calma!
Mar tranquilo e sem escolhos!
É o pecado dos meus olhos
E a salvação da minh´alma.

Confesso-me, nada nego:
Amo-te...E nisto de amar-te
Só tenho de minha parte
A culpa se não ser cego.

É meu destino, que queres?
Eu te amo por que me encantas
-Tu, a mais linda das santas
E a mais santa das mulheres.