Poesias offerecidas ás senhoras Portuenses/A Noviça.

A noviça
 

Aqui n'este mosteiro solitario,
Onde tudo é silencio e oração,
Quem diria, que se nutre aqui amor
Dentro d'este rebelde coração!..

Prostrada junto ás virgens do Senhor,
Como ellas o contemplo, choro, e rezo;
Mas em breve esses Anjos, Deus, e o Céo,
Por um simples mortal perjura esqueço!

Incessante, ah! Eu rogo ao Creador,
Que me extinga d'amor a chamma ardente,
E que a Virgem, a gloria, o Paraizo
Em celeste visão me traga á mente!

Ah! De quantas desgraças foi origem,
Esse pae tão cruel que o ser me deu!
Movido pela vil, torpe ambição,
A deixar mundo, amor me constrangeu!

Para consorte o joven, que eu 'scolhia,
Era filho segundo, sem riqueza;
Mas tinha os dotes d'alma grandiosos,
De pundonor, virtude, e de nobreza.

Esses mundanos bens tão illusorios,
Para o seguir, contente abandonára,
E do mundo n'um canto recondito,
Ao lado seu feliz eu habitára!

Amava-o como a Deus quizera amar,
N'elle só tinha fé, esp'rança, amor,
Só n'elle via o Céo, o Paraizo,
Amando-o cada vez com mais ardor!

Como o fado mudou a sorte minha !..
Ai que inferno, que magoas no porvir!..
E é hoje, oh meu Deus! hoje que cumpre,
Ir meus votos sagrados proferir?!..

Irão dizer meus labios o que n'alma
Desgraçada não posso inda sentir?..
Cilicios, orações, retiro, e Deos,
Este amor não poderam destruir!!

N'este dia me cumpre adeus eterno
Para sempre dizer ao mundo, a amor!..
E' hoje, que por Deos cumpre extinguir,
Da mais nobre paixão o vivo ardor!

Do sino o som lugubre, compassado,
Do meu martyrio a hora annunciou;
Chama ás áras sagradas a mulher,
Que no Mundo em delirio tanto amou!..

Onde estás tu meu bem, Affonso!.. amor?..
Ah! Inda é tempo, vem! e nos teus braços,
Comtigo leva a amante ao fim do mundo,
Unida a ti em meigos, doces laços!

Que! Lá entra um alaude,
No meu dia de professa!
Ah! que vejo! Tudo é luto,
Lá 'stá erguida uma éça!

As freiras todas em coro,
Vão orar pelo finado;
Irei tambem, talvez fosse,
Um amante desgraçado...

Já o supplice joelho,
Amante triste curvou,
E mal qu'ergue o rosto lindo.
D'horror que quadro avistou!..

D'estertor um brado agudo,
Pelo templo resoou,
Por terra jazendo a virgem
Desmaiada, qu'espirou!..

E'ra d'Affonso o cadaver,
Que a amante reconheceu,
Sem ella viver não pôde.
E de saudades morreu!..