POLONIA.


(1862.)



Como aurora de um dia desejado,
Clarão suave o horisonte innunda.
É talvez amanhã. A noite amarga
Como que chega ao termo; e o sol dos livres,
Cangado de te ouvir o inutil pranto,
Alfim resurge no dourado Oriente.

Eras livre, — tão livre como as aguas
Do teu formoso, celebrado rio;
        A corôa dos tempos
Cingia-te a cabeça veneranda;
E a desvellada mãi, a irmã cuidosa,
        A santa liberdade,
Como junto de um berço precioso,
Á porta dos teus lares vigiava.

Eras feliz demais, demais formosa;
A sanhuda cobiça dos tyranos
Veio enluctar teus venturosos dias...
Infeliz! a medrosa liberdade
Em face dos canhões espavorida
Aos reis abandonou teu chão sagrado;
        Sobre ti, moribunda,
Viste cahir os duros oppressores:
Tal a gazella que percorre os campos,
        Se o caçador a fere,
Cahe convulsa de dôr em mortaes ancias,
        E vê no extremo arranco
        Abater-se sobre ella
Escura nuvem de famintos corvos.

Presa uma vez da ira dos tyranos,
        Os membros retelhou-te
Dos senhores a explendida cobiça;
Em proveito dos reis a terra livre
Foi repartida, e os filhos teus — escravos -
Viram descer um véu de luto á patria
E apagar-se na historia a gloria tua.

À gloria, não! — É gloria o captiveiro
Quando a captiva, como tu, não perde
A alliança de Deus, a fé que alenta,
E essa união universal e muda
Que faz commuuns a dôr, o odio, a esperança.

Um dia, quando o calix da amargura,
Martyr, até ás fezes esgotaste,
Longo tremor correu as fibras tuas;
Em teu ventre de mãi, a liberdade
Parecia-soltar esse vagido
Que faz rever o céu no olhar materno;
Teu coração estremeceu; teus labios
Tremulos de anciedade e de esperança,
Buscaram aspirar a longos tragos
A vida nova nas celestes auras.

        Então surgiu Kosciusko;
Pela mão do Senhor vinha tocado;
A fé no coração, a espada em punho,
E na ponta da espada a torva morte,
Chamou aos campos a nação cahida.
De novo entre o direito e a força bruta
Empenhou-se o duello atroz e infausto
        Que a triste humanidade
Inda verá por seculos futuros.
Foi longa a luta; os filhos dessa terra
Ah! não pouparam nem valor nem sangue!
A mãi via partir sem pranto os filhos,
A irmã o irmão, a esposa o esposo,
        E todas abençoavam
A heroica legião que ia á conquista
        Do grande livramento.

        Coube ás hostes da força
        Da pugna o alto premio;
        A oppressão jubilosa
Cantou essa victoria de ignominia;
E de novo, ó captiva, o véu de luto
Correu sobre teu rosto!
                       Deus continha

Em suas mãos o sol da liberdade,
E inda não quiz que nesse dia infausto
Teu macerado corpo allumiasse.

Resignada á dôr e ao infortunio,
A mesma fé, o mesmo amor ardente
        Davam-te a antiga força.
Triste viuva, o templo abriu-te as portas;
Foi a hora dos hymnos e das preces;
Cantaste a Deus; tua alma consolada
Nas azas da oração aos céus subia,
Como a refugiar-se e a refazer-se
        No seio do infinito.
E quando a força do feroz cossaco
Á casa do Senhor ia buscar-te,
Era ainda resando
Que te arrastavas pelo chão da egreja.

Pobre nação! — é longo o teu martyrio;
A tua dôr pede vingança e termo;
Muito has vertido em lagrimas e sangue;
É propicia esta hora. O sol dos livres
Como que surge no dourado Oriente.

        Não ama a liberdade
Quem não chora comtigo as dôres tuas;
E não pede, e não ama, e não deseja
Tua resurreição, finada heroica!