Corte, 8 de janeiro
Casou-se a Mariquinhas. Festa íntima, mas brilhante. A noiva estava esplêndida, risonha, orgulhosa. O mesmo se pode dizer do noivo, que parecia ainda mais moço do que me parecera uma vez no teatro, a ponto de me fazer desconfiar da velhice dele. A cada instante cuidava que o homem tirava a máscara e confessava ser irmão do filho.
Perguntar-me-á você se eu não tive inveja?
Confesso que sim.
Não sei bem se era inveja; confesso porém que suspirei quando vi a nossa formosa Mariquinhas, com o seu véu e sua grinalda de flores de laranja, derramar um olhar tão celeste em torno de si, feliz por se despedir deste mundo de futilidades como é a vida de uma moça solteira.
Suspirei, é verdade.
Se naquela mesma noite eu pudesse escrever o que senti, acredite você que teria uma página de literatura digna de figurar nos jornais.
Hoje tudo passou.
O que não passou, entretanto, porque existia antes e existirá sempre, porque nasceu comigo e comigo morrerá, é este sonho de uns amores que eu nunca vi na terra, uns amores que eu não posso exprimir, mas que devem existir visto que eu tenho a imagem deles no espírito e no coração.
Mamãe, quando me vê aborrecida e devaneadora, costuma perguntar-me se estou respirando as nuvens. Ela ignora talvez que exprime com essa palavra o estado do meu espírito. Pensar nestas coisas não é ir respirar as nuvens lá tão longe da terra?
Acabo de reler o que escrevi, e riscaria tudo se tivesse mais papel para escrever. Infelizmente não tenho, é meia-noite, e esta carta há de seguir amanhã cedo. Risque pois o que aí fica escrito; não vale a pena guardar tolices.
Novidade não há que mereça a pena de mencionar. Esquecia-me dizer-lhe que achei uma verdadeira qualidade no Dr. Alberto. Adivinha? Dança admiravelmente. Má língua! dirá você. E para que não diga mais nada, aqui me fico.
RAQUEL