DISCORRAMOS primeiro sobre os factos
consumados.
Entre os Crustaceos de olhos pedunculados (Podophthalma), só raras especies conhecemos cujos embryões tenham a forma de seus paes, com o numero total de appendices articulados ao corpo. Tal é o caso, segundo Rathke, [1] do carangueijo d'agua doce da Europa, e segundo Westwood do carangueijo terrestre das Indias Occidentaes (Gecarcinus). Ambas as excepções, por isso, pertencem ao pequeno numero de crustaceos de olhos pedunculados que vivem n'agua doce ou sobre a terra firme, como, na verdade, em muitos outros casos, animaes fluviateis e terrestres não soffrem transformações, ao passo que os seus alliados marinhos têm uma metamorphose á realisar. Quero referir-me ás minhocas e sangue-sugas, entre os Annelidos, que primeiramente pertencem à terra firme e á agua doce, — ás Planarias d'agua doce e ás Tetrastema do salobro Baltico entre as Turbelariæ — aos Gastropodes Pulmonados, e aos Gastropodes Branchiados d'agua doce, cujos jovens (segundo o «Manual de Zoologia» de Troschel) não têm lobos oraes ciliados, comquanto taes orgãos sejão possuidos pelos muito semelhantes petunclos (Littorina).
Todas as formas marinhas d'esta secção parecem sujeitas á uma metamorphose mais ou menos consideravel. Esta, parece sómente insignificante, na lagosta commum, cujos jovens, segundo Van Beneden, são distinctos do animal adulto, por terem as patas guarnecidas, como as de Mysis, de uma expansão nadadora livremente dirigida para fóra. Por uma figura dada por Couch, os appendices do abdomen e da cauda tambem parecem ausentes.
Muitissimo mais profunda, è a differença entre o producto immediato e o animal sexualmente maduro, da quasi totalidade dos Podopthalma, cujo embryão tem a forma de Zoea. Esta forma joven occorre, tanto quanto o ensinam as nossas observações presentes, em todos os carangueijos, com a unica excepção da unica especie investigada por Westwood.
Eu digo especie e não genero, porque no mesmo genero, Gecarcinus, Vaughan Thompson encontrou embryões Zoea, [2] que são tambem encontrados em outros carangueijos terrestres (Ocypoda, Gelasimus, etc). Todos os Anomura parecem tambem começar a vida como Zoeas: testemunhas, as Porcellanæ, o Tatuira (Hippu emerita) e o Carangueijo-Eremita. Entre os Macrura estamos familiarisados com a mesma forma primordial, em muitos camarões e lagostins, taes como Crangon (Du Cane), Caridina (Joly), Hippolite, Palaemon, Alpheus, etc. Finalmente, não é improvavel que o mais novo producto do Camarão-Louva-Deus(Squilla) esteja tambem no mesmo caso.
As peculiaridades mais importantes que distinguem a Zoea do animal adulto, são as seguintes:
O meio do corpo com os seus appendices, os cinco pares de patas á que estes animaes devem o nome de Decapodes, é ou inteiramente ausente ou apenas indicado; o abdomen e a cauda são destituidos de appendices e a ultima consiste em uma peça unica. As mandibulas, como nos insectos, não têm palpos. Os maxillipedes, cujo 3º par ainda falta frequentemente, não são ainda empregados no serviço da bocca, mas apparecem em forma de patas natatorias bi-ramosas. As branchias faltam, ou quando os seus primeiros rudimentos possam ser distinguidos como proeminencias tuberculares, estas são densas massas cellurares, pelas quaes o sangue ainda não corre e que, por isso, nada tem que ver com a respiração. Um intercambio dos gazes da agua e do sangue, pode ter lugar atravez da delgada pelle de toda a superficie do corpo; mas as partes lateraes da carapaça devem indubitavelmente ser indicadas como a séde principal da respiração. Ellas consistem, exactamente como foi dito por Leydig, sobre as Daphniæ, de uma lamina exterior e outra interior, cujo espaço intermediario é atravessado por numerosos septos dilatados nas extremidades; os espaços entre esses septos, recebem um fluxo de sangue mais abundante, do que qualquer outra parte do corpo da Zoea. Á isto deve-se addir que uma corrente constante d'agua doce, passa por baixo da carapaça n'uma direcção de traz para diante, mantida, como no animal adulto, por um appendice foliaceo ou linguiforme do segundo par de maxillas (fig. 18). A addicção de finas particulas coloridas na agua, permitte devisar essa corrente mesmo em pequenas Zoeas.
As Zoeas dos carangueijos (fig. 17) deixam-se distinguir geralmente por longos processos espiniformes da carapaça. Um d'estes se projecta para cima do meio do dorso, um segundo para baixo, da parte anterior da cabeça e, frequentemente ha um mais curto em cada lado, junto dos angulos postero-inferiores da carapaça. Todos esses processos estão, comtudo, ausentes em Mysis, segundo Couch e em Eurynome, segundo Kinahan; e em uma terceira especie do mesmo grupo dos Oxyrhynchi (pertencente ou quasi alliado ao genero Achaeus) eu tambem achei sómente um desprezivel aculeo dorsal, emquanto que a parte anterior da cabeça e os lados estavam desarmados.
É este um outro exemplo nos avisando de ter cuidado nas deducções da analogia. Nada pareceria mais plausivel do que reportar á formação rostriforme da parte anterior da cabeça nos Oxyrhynchi ao processo frontal das Zoeas e, então, succede que os jovens dos Oxyrhynchi são, com effeito, totalmente destituidos de qualquer processo dessa natureza. As seguintes são peculiaridades mais importantes das Zoeas dos carangueijos, ainda que menos frizantes do que esses processos da carapaça que, em combinação com os grandes olhos, frequentemente lhes dão uma apparencia tão singular; — as antennas anteriores (interiores) são simples, não articuladas e providas na extremidade de dous ou tres filamentos olfactivos; as antennas posteriores (exteriores) correm frequentemente dentro de um processo espiniforme, notavelmente longo (“processo estyliforme„ Spence Bate), e teem, no lado externo, um appendice que é, ás vezes, muito pequeno (“processo esquamiforme„ de Spence Bate), correspondente á escama antennal dos Lagostins, [3] e os primeiros rudimentos do futuro flagellum é frequentemente já reconhecivel. De patas nadadoras (depois maxillipedes), sómente dous pares se acham presentes, o terceiro (e não o primeiro, como Spence Bate pensa) inteiramente ausente, ou, como os cinco pares de patas seguintes, apparecem apenas como pequenos botões. A cauda, de forma muito variavel, traz sempre tres pares de cerdas na sua margem posterior. As Zoeas dos carangueijos, commummente se mantém n'agua, de tal modo que o aculeo dorsal fica virado para cima, o abdomen curvo para diante, o ramo interno das patas nadadoras dirigida para fóra e o externo para fóra e para cima.
Além d'isso, deve-se notar que as Zoeas dos carangueijos, assim como as das Porcellanae, do Tatuira e dos camarões e lagostins, são envolvidas, ao sahir do ovo, por uma membrana velando os processos da carapaça, as cerdas dos pés e as antennas e que ellas rompem esta membrana em poucas horas. Em Achaeus, eu observei que a cauda d'esta pelle larval primitiva, se assemelha á das larvas dos camarões e lagostins; e o mesmo parece succeder em Maia (veja-se Bell “Brit. Stalk-Eyed Crut„. pg. 44).
Tanto quanto pareçam differir á primeira vista, as Zoeas das Porcellanae (fig. 24) aproximam-se das dos verdadeiros carangueijos, muito estreitamente. As antennas, os orgãos da bocca e as patas nadadoras, exhibem a mesma estructura. Porém a cauda tem cinco pares de cerdas e o aculeo dorsal está ausente, enquanto que, ao contrario, o processo frontal e os espinhos lateraes são de extraordinario comprimento e dirigidos em linha recta, para diante e para traz.
A Zoea do Tatuira (fig. 25), tambem parece differir pouco das dos verdadeiros carangueijos, ás quaes ella egualmente se assemelha pelo modo de locomoção. A carapaça só possue um curto e largo processo frontal; a margem posterior da cauda é provida de numerosas cerdas curtas.
A Zoea do Carangueijo-Eremita (fig. 26) possue as antennas, simples, internas da Zoea dos verdadeiros carangueijos; as antennas externas teem no lado exterior, sobre um curto pedunculo, uma lamella de tamanho consideravel, analoga á escama das antennas dos lagostins; no lado de dentro, um curto processo espiniforme; e entre os dous o flagello, ainda curto porém já provido de duas cerdas apicaes. Como nos carangueijos, ha sómente dous pares de patas natatorias bem desenvolvidas (maxillipedes), mas o terceiro par está tambem presente sob a forma de um côto bi-articulado, de tamanho consideravel, ainda que destituido de cerdas. A cauda supporta cinco pares de cerdas. O pequenino animal, na regra, conserva-se extendido em linha recta, n'agua, com a cabeça dirigida para baixo.
É esta, tambem, a posição em que vemos, commummente, as Zoeas dos camarões e lagostins (fig. 27) que se parecem, no aspecto geral, com a dos Carangueijos-Eremitas. Entre os grande olhos compostos, ha nellas um pequeno olho mediano. As antennas internas teem, no extremo de uma articulação basilar, ás vezes de consideravel comprimento, sobre o lado interno, uma cerda plumosa, que tambem occorre nos Carangueijos-Eremitas e, no lado externo, um curto articulo terminal, com um ou mais filamentos olfactivos. As antennas externas exhibem uma escama bem desenvolvida e distinctamente articulada; e dentro d'esta, geralmente, um processo espiniforme; o flagellum parece geralmente estar ainda ausente. O terceiro par de maxillipedes parece estar sempre presente, ao menos sob a forma de rudimentos consideraveis. A lamina caudal espatulada, tem cinco a seis pares de cerdas na margem posterior.
O desenvolvimento da Zoea para o animal sexualmente adulto, foi traçado por Spence Bate em Carcinus maenas.
Elle provou que a metamorphose é perfeitamente gradual e que nenhum estado frisantemente distincto de desenvolvimento, tal como lagarta ou a chrysadalida dos Lepidopteros, poderia ser n'ella definido. Infelizmente só possuimos esta unica serie completa de observações, e os seus resultados não pódem ser encarados de uma feita, como universalmente applicaveis; assim, os jovens Carangueijos-Eremitas, retêm o aspecto geral e o modo de locomoção das Zoeas, emquanto crescem os rudimentos das patas thoracicas e abdominaes; e então, quando estes começam á funccionar, apparecem de repente, n'uma forma perfeitamente nova, que differe da do animal adulto, principalmente pela completa symetria do corpo e pela presença de quatro pares de patas natatorias bem desenvolvidas sobre o abdomen. [4]
O desenvolvimento dos Palinuridae parece ser muito peculiar.
Claus achou nos ovos da Lagosta (Palinurus) embryões com um corpo completamente segmentado, porém, carecendo dos appendices caudaes, do abdomen e de dous ultimos segmentos do corpo mediano; elles possuem um unico olho mediano, consideravelmente composto; as antennas anteriores são simples, as posteriores fornidas de pequenos ramos secundarios; as mandibulas não teem palpos; os maxillipedes do terceiro par, como os dous pares de patas seguintes, são divididos em dous ramos de comprimento sub-egual; emquanto isto o ultimo dos pares de patas existentes e o segundo par de maxillipedes, trazem sómente um ramo secundario insignificante. Costa, como é bem sabido, assevera ter creado jovens Phyllosomata dos ovos d'esta lagosta — asserção que requer provas ulteriores, especialmente porque as investigações de Claus, mais recentes, sobre Phyllosoma, de forma alguma The parecem favoraveis.
Os grandes olhos compostos, que commummente se tornam logo moveis e, ás vezes estão collocados sobre longos pedunculos, mesmo no periodo o mais primitivo, assim como a carapaça, que cobre toda a parte anterior do corpo, indicam de uma vez que a posição das larvas até aqui consideradas, não obstante todas as suas differenças, pertencem aos Podophthalma. Mas, nem um unico dos caracteristicos desta secção é retido pelo producto de alguns lagostins, pertencentes ao genero Peneus ou á sua visinhança. Estes deixam o ovo com o corpo indiviso, ovoide; um olho frontal mediano e tres pares de patas nadadoras, dos quaes os anteriores são simples e os outros dous bi-ramosos — de facto, na forma larvar, tão commum entre os crustaceos inferiores, á que O. F. Müller deu o nome de Nauplius. Nenhum vestigio de carapaça! Nem de olhos pares! Tampouco de orgãos mastigatorios proximos da bocca, que é sobrepujada por uma coifa em forma de elmo!
No caso de uma d'estas especies, foram descobertas as formas intermediarias que conduzem do Nauplius ao lagostim, em uma série quasi continua.
O Nauplius primitivo (fig. 28), é seguido immediatamente por formas em que uma préga da pelle corre atravez do dorso, por detraz do terceiro par de patas; e quatro pares de rijos processos (rudimentos de novos membros), emergem da superficie ventral. Dentro do terceiro par de patas, se desenvolvem poderosas maxillas.
Em muda subsequente, os novos membros (maxilillas e maxillipedes anteriores e intermediarios) entram em funcção e, d'este modo o Nauplius se transforma em Zoea (fig. 29), perfeitamente semelhante á Zoea dos carangueijos, no numero de appendices do corpo, comquanto muito differente na forma e no modo de locomoção; e mesmo em muitas particularidades da estructura interna. Os principaes orgãos de movimento são ainda os dous pares de patas anteriores, que, são delgados e guarnecidos de longas cerdas; o terceiro par de patas, perde seus ramos e se converte em mandibulas destituidas de palpos.
O labrum adquire um espinho dirigido para diante e de consideravel tamanho que, occorre em todas as Zoeas das especies alliadas. Os maxillipedes bi-ramosos parecem entrar pouco na locomoção. A cauda furcada nos lembra mais depressa as formas que occorrem nos crustaceos, especialmente nos Copepodes do que a placa caudal espatulada que caracterisa as Zoeas de Alpheus, Palaemon, Hippolite e outros lagostins dos Carangueijos-Eremitas, o Tatuira e as Porcellanæ. O coração só possue um par de fendas e não tem musculo algum atravessando o seu interior como trabeculas, emquanto que em outras Zoeas, reconhece-se sempre, distinctamente, dous pares de fendas e um apparelho trabecular, interno.
Durante este estado de Zoea, são formados os olhos pares, os segmentos do corpo mediano e abdomen, os maxillipedes posteriores, os appendices caudaes lateraes e os rudimentos tuberculiformes das patas do corpo mediano, (fig. 30). Os appendices caudaes emergem quaes outros membros, livremente, sobre a superficie ventral, emquanto em outros lagostins, Porcellanæ, etc., elles são produzidos no interior da placa caudal espatuliforme.
Quando as patas do corpo mediano entram em acção, simultaneamente á outras mudanças profundas, a Zoea passa á forma de Mysis ou de Schizopode (fig. 31).
As antennas cessam de servir á locomoção, sendo o seu logar occupado pelas patas thoracicas, providas de longas cerdas e do longo abdomen que, justamente antes fôra laboriosamente arrastado, como unitil carga, porém agora, com os seus musculos poderosos, lança o animal atravez da agua, em uma serie de saltos rapidos.
As antennas anteriores, perderam as suas longas cerdas, e, ao lado do ultimo «quarto» articulo, dotado de filamentos olfactivos, apparece um segundo ramo que é no principio, mono-articulado. O ramo externo, previamente multi-articulado, das antennas posteriores, tornou-se uma simples laminula, a escama antennal do lagostim; ao lado desta apparece o rudimento tuberculiforme do flagellum, provavelmente como uma nova formação, desapparecendo inteiramente o ramo interno. Os cincos novos pares de patas, são bi-ramosos, com o ramo interno curto e simples, o externo mais longo, annellado no extremo, provido de longas cerdas e mantido, como em Mysis, em constante movimento gyratorio.
Durante o estado de Mysis são formados os orgãos auditivos no articulo basilar das antennas anteriores; se desenvolvem em chelas e os dous ultimos pares em patas ambulatorias: os palpos nascem das mandibulas, as branchias do thorax e as patas nadadoras do abdomen. O espinho sobre o labrum se reduz em tamanho. D'este modo, o animal gradual mente se aproxima da forma do lagostim, em que o olho mediano se torna indistincto, o espinho do labrum e os ramos externos das patas cheliferas e ambulatorias foram perdidas, os palpos mandibulares e as patas abdosminaes adquiriram articulos distinctos e cerdas e as branchias entraram em jogo.
Em outro lagostim, os diversos estados larvaes, dos quaes pode ser reconhecida, como pertencente á mesma série pela presença de uma nodoa amarella escura, frisantemente definida, em torno do olho mediano, a Zoea primitiva (fig. 32), provavelmente oriunda do Nauplius, se parece, em todos as particularidades essenciaes com as especies que acabamos de descrever; o seu desenvolvimento ulterior é, comtudo, muito diverso, especialmente em que tanto as patas do corpo mediano como a do posterior não são formadas simultaneamente, e não ha um estado de dezenvolvimento comparavel á Mysis, no numero e estructura dos membros. Os vestigios dos maxillipedes externos apparecem cedo. Depois apparecem as patas sobre quatro segmentos do corpo mediano; e estas são bi-ramosas nos tres segmentos anteriores e simples, por deficiencia do ramo interno, 110 quarto segmento.
As chelas se desenvolvem nos ramos internos; os ramos externos se perdem antes que o ramo interno tenha feito a sua aparição sobre o quarto segamento. (fig.32)
Este ultimo ainda se torna destituido de appendices, de modo que, n'este caso e n'um periodo primitivo, 4 e em outro ulterior 3 segmentos do corpo mediano, supportam membros. O quinto segmento está ainda completamente ausente emquanto que todos os segmentos abdominaes tambem adquiriram membros e estes, um após outro, de diante para traz. O animal adulto, como transparece pelos tres pares de chelas, será certamente muito proximo alliado das especies precedentes [5].
A larva mais joven ao genero Schizopode Euphasia, observada por Claus. fica muito perto da mais nova Zoea dos nossos camarões; mas, emquanto as suas antennas anteriores já são bi-ramosas, e, por isso, parecem mais adiantadas, faltam ainda os maxillipedes medianos. N'ella Claus achou tambem o coração provido de um unico par de fendas. Não procederá á Zoea, tambem neste caso, o estado Nauplius?
A historia evolutiva de Mysis, cuja estreita relação com os camarões foi ha pouco tempo geralmente reconhecida, foi descripta em seus detalhes por Van Beneden. Pelo que eu tenho verificado só posso confirmar as suas asserções.
O desenvolvimento do embryão começa com a formação da cauda! Esta apparece como um lobo simples, cuja superficie dorsal está virada e estreitamente applicada á do embryão. (Os filhotes de outros crustaceos podophthalmos são, como é bem sabido, curvados, no ovo, de tal modo que a superficie ventral das ametades anterior e posterior do corpo, fica virada sobre si, — n'estes, por isto, a superficie dorsal e em Mysis a ventral, apparecem convexas). A cauda adquire logo a forma furcada com a qual travámos conhecimentos com as Zoeas dos camarões por ultimo descriptas. Então apparecem dous pares de apendices espessamente ensiformes, no extremo opposto do corpo; e atraz d'elles, um par de tuberculos que podem ser facilmente omittidos. Estes são as antennas e mandibulas. A membrana do ovo então rompe-se antes que qualquer orgão interno ou mesmo tecido, exepto as cellulas do revestimento cutaneo, esteja formado. O joven animal póde ser chamado um Napuplius; pois essencialmente nada existe ahi além de uma rude copia de um revestimento de Nauplius, quasi, semelhante á uma nova membrana de ovo, dentro da qual se desenvolve a Mysis. Os dez pares de appendices do corpo anterior (maxillas, maxillipedes) e mediano, apparecem simultaneamente, como os cinco pares de patas abdominaes em periodo ulterior. Logo depois a joven Mysis expelle o envolucro Nauplius e abandona o sacco ovigero materno [6].
Por algum tempo, devido à importancia. indebita attribuida á falta de uma cavidade branchial particular, Mysis, Lencifer e Phyllosoma foram referidos aos Stomatopodes, agora limitados, como originariamente por Latreille, ao Camarão-Louva-Deus (Squilla) ao Camarão-Vidro (Erichthus) e mais proximos parentes. Da historia evolutiva d'estes, até agora apenas conhecemos fragmentos isolados. Torna-se difficil traçar o desenvolvimento desde o ovo, pela circumstancia de que taes camarões não trazem os ovos postos sobre o corpo, como os Decapodes, porém depositam-n'os sob a forma de delgadas placas redondas e amarellas, nas passagens subterraneas que lhes servem de habitação. A ninhada, é, por conseguinte extraordinariamente dificil de ser procurada e, infelizmente ella se corrompe ein um dia, quando removidas do seu logar natural de postura, emquanto que, ao contrario, o progresso de desenvolvimento póde ser seguido por semanas a fio, nos ovos de um unico carangueijo conservado preso. Os ovos de Squilla, como os que são retirados do corpo do carangueijo, morrem porque ficam privados da rapida corrente d'agua fresca que suas mães introdusem nas respectivas tócas, provendo a propria respiração.
A figura seguinte do embryão de Squilla, mostra que elle possue un longo abdomen segmentado, sem appendices, cauda bilobada, seis pares de membros e um curto coração; este ultimo só pulsa fraca e lentamente. Se elle adquire mais membros antes da exclusão, a larva mais nova deve ficar no mesmo nivel que a mais nova larva de Euphasia observada por Claus.
Das duas formas larvares actualmente conhecidas que devem ser referidas com certesa senão á Squilla mas, ao menos á um Stomatopode, passo sobre a mais joven [7] porque os seus membros não podem ser interpretados positivamente, e mencionarei sómente que n'ella os tres ultimos segmentos abdominaes ainda são destituidos de appendices.
A larva mais velha (fig. 35) que se assemelha á Squilla adulta, especialmente na estructura das grandes patas raptoras e do par procedente, carece ainda das seis patas seguintes ás patas raptoras. Os segmentos do corpo, correspondentes, já são bem desenvolvidos, um olho impar inda está presente, as antennas anterfores já são bi-ramosas, emquanto que o flagellum è ausente nas posteriores, assim como as mandibulas são destituidas de palpos; os quatro segmentos abdominaes anteriores, têm patas nadadoras bi-ramosas sem branchias; o quinto segmento abdominal não tem appendices e é este, tambem, o caso para a cauda que apparece ainda como uma simples lamina, franjada no bordo posterior por numerosos dentes curtos. É evidente que a larva corresponde essencialmente ao estado de Zoea.
FRITZ MULLER
- ↑ As autoridades só são citadas para os factos que eu não tive opportunidade de confirmar.
- ↑ Bell (Brit. Stalk-Eyed Crust. 1. XLV.) considera-se justificado em "eliminar" as observações de Thompson de uma ver, porque este sómente podia ter examinado femeas ovigeras conservadas no alcool. Mas, quem quer que tenha prestado tanto attenção, como Thompson, no desenvolvimento d'estes animaes, deve ter ficado bem apto á decidir com certeza sobre ovos, tanto se não estivessem demasiadamente afastados da maturidade ou mal preservados, como se uma Zoea devesse d'elles ser produzida. Além disso, o modo de vida dos carangueijos terrestres está a favor de Thompson. "Uma vez por anno", diz o Manual de Zoologia de Traschel "elles imigram em grandes bandos para o mar, afim de pôr os ovos e depois voltam extenuados ás suas moradas, as quaes poucos conseguem attingir". Para que fim se dariam estas migrações destruidoras, em especias cujos fihotes deixam o ovo e sua progenitora como animaes terrestres"
- ↑ N'uma memoria sobre a metamorphose das Porcellanae eu escrevi erroneamente este appendice como "flagellum".
- ↑ Glaucothoe peronii, M. Edw., deve ser um Pagarus joven d'esta natureza, ainda symetrico.
- ↑ As mais desenvolvidas larvas observadas (fig. 33) são caracterisadas pelo comprimento extraordinario dos flagellos das antennas externas e, neste particular, se assemelham ás larvas de Sergestes encontradas por Claus perto de Messina (Zeitschr. für Wissenschaft Zool. Bd. XIII est 27, fig. 14) Este comprimento (texto ilegível) das antennas conduz á supposição de que ella pertence ao nosso camarão mais commum, que é frequentemente servido nas nossas mesas e muito estreitamente alliado á Peneus setiferus, de Florida. O Acanthosoma de Claus (l. c. fig. 13) é semelhante à mais nova forma de Mysis da larva que eu figurei nos "Archif. f. Naturg" 1836, est 2, fig. 18 e que eu estou inclinado á referir á Sicyonia carinata. (Segundo Carlos Moreira, a autoridade brasileira no assumpto, Peneus setiferus vai até os estados meridionaes do Brasil, o que torna verossimil a supposição de Fritz Muller — Vide Crustaceos do Brasil — Arch. do Museu XI, 7 e 72, Cryptus.)
- ↑ Van Beneden, que encara as pedunculos oculares como membros, não pôde comtudo evitar a declaração seguinte sobre Mysis: "Este pediculo não apparece de modo algum como os outros appendices e parece ter um outro valor morphologico".
- ↑ Archif. fur. Faturg. 1863 est. I