Coluna Sem Prestes

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Alceu A. Sperança

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Cascavel (PR) - É impossível não admirar o povo paraguaio. Mesmo sofrendo massacres e horrendas pressões do imperialismo – hoje tem que suportar o bode malcheiroso em sua sala, mas vai vencer também essa – nossos irmãos do outro lado da fronteira conseguiram manter o Guarani como segundo idioma.

Nós, por aqui, temos mais de 200 línguas faladas no país, mas só respeitamos duas: o Português por obrigação legal e curricular e o Inglês por imposição do neocolonialismo cultural. Apesar de agora também haver gente se debruçando com gana e pressa sobre o Mandarim, para fazer negócios da China...

Fala-se na pátria tupiniquim nada menos que 180 línguas indígenas, além de cerca de outros 30 idiomas de imigrantes provenientes da Europa, Ásia, Oriente Médio e até de outros países do continente americano. Esse, pelo menos, foi o retrato mostrado pelo censo demográfico do IBGE relativo a 2000, desvelando uma nação multicultural.

Por isso se deve saudar a iniciativa feliz que levou um grupo de lingüistas do Museu Emílio Goeldi (Pará) a pesquisar cinco línguas indígenas brasileiras ameaçadas de extinção. Trata-se de cinco línguas do tronco Tupi a ser documentadas: Puruborá, Mekens, Ayuru, Mondé (de Rondônia) e Xipáya (do Pará). Feliz idéia do “governo Lula”, certo? Neca: o grupo está recebendo cerca de R$ 3 milhões para fazer a pesquisa, mas a grana está vindo da Inglaterra.


Diante do descaso que se vê no Brasil por essa ampla variedade de idiomas, não há como deixar de admirar ainda mais o sofrido Paraguai por ser o único país bilíngüe de todo o Mercosul. Assinale-se que foi o povo a cultivá-lo em seu coração, espírito e garganta, pois o governo paraguaio só nos últimos tempos tem manifestado cuidado com a valorização do idioma nativo.

Portugueses falavam Tupi

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Nas escolas paraguaias, o Guarani e o Espanhol já são ensinados em condições de igualdade. O idioma tem hoje cinco dialetos predominantes, dentre os quais o avá katu (que nós chamamos Avá-Guarani), dos índios que recentemente foram acusados de “invadir” o Parque Nacional do Iguaçu. Invasores de sua própria terra, pobres índios!

Vale dizer que o Paraguai é o único país que adota o Guarani oficialmente como idioma. Até essa nós perdemos: houve tempo, no Brasil, em que os portugueses chegavam e tinham que deixar a arrogância de lado para aprender o Tupi, pois do contrário não conseguiriam se comunicar com a população local. Mas um dia um fedorento bode exótico proibiu até os nativos de falar e estudar em seu idioma nativo: o Português se tornou idioma oficial único pela violência do decreto baixado em 1758 pelo cruel marquês de Pombal. O mandatário lusitano proibia, assim, o povo brasileiro de falar sua própria língua.

O Paraguai também teve duas versões próprias do terrível Pombal: nos tempos do ditador Carlos Antônio López (1844 a 1862), o caudilho de plantão hostilizava o Guarani e defendia o idioma castelhano. Outro ditador, o teimoso e empedernido Alfredo Stroessner, proibiu o povo de falar o Guarani – a seu ver, uma língua de “ignorantes”. Oh, yes, mister Brucutu!

Mas o povo paraguaio venceu e seu idioma é hoje motivo de orgulho, não de desonra. Todos os que se ergueram contra o Guarani e o povo que o fala passaram à história como ervas daninhas. O povo paraguaio e latino-americano, ao contrário, progressivamente começa a construir sua história com as próprias mãos. Supera assim séculos de maus tratos, uma exploração pertinaz e a rapina sistemática de seus recursos naturais.

Por mais que o povo sangre – e apesar das empulhações reinantes na política, na imprensa e na TV – um dia ele enterrará os que o fazem sangrar.

(Fonte: jornal O Paraná, março de 2006)

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