Por uma releitura na política de base em ciência e tecnologia

Apresentação

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Ao entrar em novo milênio, necessário analisar o atual momento, não apenas o político, mas sobretudo o econômico-social pelo qual atravessa o país, observando alguns fatores que, com certeza, norteariam um esboço de diretrizes, não restrita única e exclusivamente à política de Ciência e Tecnologia, mas ao social como um todo.

Conceito

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Antes de evoluir no assunto, deve-se ter em mente a amplitude do conceito de ciência e tecnologia. Não é restrito, ao que pode parecer, às ciências exatas e tecnológicas e às biológicas e da saúde.
Ciência, como bem demonstra o Aurélio (Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI, versão 3.0. Lexikon Informática Ltda., nov. 1999), traduz o saber que se adquire pela leitura e meditação, instrução, erudição, sabedoria, e o conjunto organizado de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e orientar a natureza e as atividades humanas, dentro de um campo circunscrito, dentro da ciência, concernente a determinada parte ou aspecto da natureza ou das atividades humanas. Ou seja, é a soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto.
Desta forma, tem-se a ciência explicitada nos seguintes campos: cristã, econômica, infusa, aplicada, exatas, experimentais, físicas, humanas, morais, naturais, normativas, ocultas e sociais.
No tocante à tecnologia, traduzida como o tratado sobre uma arte, é o conjunto de conhecimentos que se aplicam a um determinado ramo de atividades, isto é, a aplicação dos conhecimentos científicos à produção em geral.
Aliás, demonstrando o equívoco do pensamento atual, no que tange à ciência e tecnologia, tal relação e sua influência sobre a sociedade remonta ao século XVII, através do filósofo inglês Francis Bacon.
Ele foi um dos precursores do pensamento científico moderno e responsável pela criação de um novo método de pensamento, apresentando a ciência como algo ativo, investigativo, sistematizado e progressivo, colocando o conhecimento como transformador da natureza para fins humanos e para promover o bem-estar social.
Após esse breve comentário, claro fica que toda e qualquer área do conhecimento é de imenso interesse para uma política de Ciência e Tecnologia.

Áreas de Abrangência da Política de Ciência e Tecnologia

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Nos estudos de ciência e tecnologia, nos tópicos sugeridos para as políticas setoriais, sempre são definidas como prioritárias as exatas, físicas, naturais e tecnológicas, em detrimento das humanas, morais, sociais. Contudo, só haverá o alcance daquelas após uma fundamentação nessas últimas.
De que adiantaria uma política de Ciência e Tecnologia, com grande ênfase para a tecnologia (moderna) e suas ciências afins, se a sociedade não consegue suprir o mercado que ela trará, inclusive de usuários.
Antes, deve-se reformar e consolidar uma política de Ciência e Tecnologia onde esteja presente o Homem, fornecendo-lhe condições sociais, morais, humanas (aqui destacando a educação, saúde básica, alimentação e habitação).
De que adiantaria uma política de ponta sem a base? Com certeza ela não se consolidaria.
Por estas e outras razões, propõe-se diretrizes para uma política de Ciência e Tecnologia que vislumbre a base, criando condições para realmente atingir ao ápice de um desenvolvimento.
Numa política de Ciência e Tecnologia, o Estado deveria redefinir suas prioridades, revertendo o atual quadro, onde aquelas reais prioridades para fundamentar a sociedade em busca do pleno desenvolvimento são tidas como prioritárias no sentido inverso.
Educação e saúde são prioridades: as primeiras a sucumbir! Há uma pequena inversão do conceito.

Áreas de Prioridade

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Duas grandes áreas deveriam ser prioridade zero, não no sentido da não existência, mas como superior a qualquer outra. Saúde, englobando a saúde básica, higiene, saneamento básico, meio ambiente e alimentação, e Educação.
Num país onde estas áreas, e suas divisões, são oferecidas condignamente, há maiores chances de partir para as demais, sempre da base para o ápice.
Definidas as diretrizes de prioridades, caberá ao Estado fazê-las cumprir, colhendo, a médio e a longo prazos, os frutos de um real desenvolvimento que, no atual modelo, nunca seria alcançado e, em caso positivo, em curtíssimo prazo desapareceria no abismo do inimaginário.
A atual Constituição Federal, mesmo pecando no conceito de Ciência e Tecnologia, demonstra a preocupação dos constituintes com a pesquisa científica básica, a qual deverá receber tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências (art. 218, § 1°, CF/88).

CF/88:
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.
§ 1º. A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

A uma análise do Título VIII da Constituição Federal, vê-se que os constituintes elegeram a seguinte ordem básica, no que tange ao social: seguridade social (saúde, previdência e assistência social), educação (juntamente com a cultura e o desporto), a Ciência e Tecnologia (dissociando-se a seguridade social e a educação do conceito de ciência), a comunicação social, o meio ambiente, a família (e, isoladamente, a criança, o adolescente e o idoso) e os índios.

CF/88:
Título VIII - Da Ordem Social
Capítulo I - Disposição Geral (art. 193)
Capítulo II - Da Seguridade Social
Seção I - Disposições Gerais (art. 194 a 195)
Seção II - Da Saúde (art. 196 a 200)
Seção III - Da Previdência Social (art. 201 a 202)
Seção IV - Da Assistência Social (art. 203 a 204)
Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto
Seção I - Da Educação (art. 205 a 214)
Seção II - Da Cultura (art. 215 a 216)
Seção III - Do Desporto (art. 217)
Capítulo IV - Da Ciência e Tecnologia (art. 218 a 219)
Capítulo V - Da Comunicação Social (art. 220 a 224)
Capítulo VI - Do Meio Ambiente (art. 225)
Capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso (art. 226 a 230)
Capítulo VIII - Dos Índios (art. 231 a 232)

Comparativamente, pode-se traçar o seguinte paralelo, lembrando que não deve haver uma ordem hierárquica entre as prioridades e, sim, uma nivelação entre elas:

SAÚDE EDUCAÇÃO
seguridade social educação, cultura e desporto
meio ambiente família
família (educação informal)


Ciência e Tecnologia, comunicação social e índios, incluídos nesse título da Constituição, não podem ser relacionados. Ciência e Tecnologia inclui as demais. Os índios, como indivíduos, estão vinculados àquelas condições. E a comunicação social, não obstante a vinculação intrínseca, seria a forma de divulgar o assunto.
Oferecidas ao cidadão condições mínimas, com melhor aparato de saúde, educação, higiene, alimentação e moradia, certamente aquela Ciência e Tecnologia, erroneamente dissociada das ciências humanas, sociais e afins, teria grande sustentáculo para um pleno desenvolvimento do país e de seu povo.

Propostas Setoriais

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Ao apresentar propostas de políticas setoriais de Ciência e Tecnologia naquelas áreas eleitas como básicas, deve-se levar em consideração uma descentralização do Estado e o conseqüente fortalecimento das suas unidades (os Estados da federação). À União caberia o planejamento básico das ações, a alocação dos recursos necessários e o seu controle, enquanto que aos Estados-Membros caberia, além da participação no planejamento básico, o planejamento analítico e sua execução, se possível com flexibilidade.

Saúde

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Nas capitais e grandes cidades, com certeza, não há necessariamente a falta de hospitais e médicos e seus auxiliares. Há uma má distribuição.
Hospitais estatais e conveniados, postos de saúde, etc., existem diversos. O que não há é uma distribuição de seus leitos, uma melhor e satisfatória divisão de seus corpos médico e auxiliar, acarretando um atendimento longe do desejável.
No interior, principalmente as cidades de pequeno porte, muitas vezes nem o posto de saúde ou até mesmo uma farmácia possuem. Quando existe, não há o médico permanente e sim, talvez, um ocasionalmente.
O que fazer?
Pode parecer simples, até mesmo infantil a sugestão, mas por que não tentar, ao menos, dividir o Estado em áreas e subáreas, provendo-as com médicos e postos de saúde equipados e em bom estado de manutenção, desafogando sobremaneira os grandes centros com o inevitável envio de doentes e emergenciados para os hospitais da capital e cidades maiores, elevando inclusive o custo de manutenção dos mesmos? Não precisaria nem os haver em cada cidade. Por que não desenvolver um real e eficiente sistema de residência médica obrigatória nessas áreas interioranas? Salvo engano, ao estudante dos cursos da área médica é concedida a postergação do serviço militar obrigatório para após a conclusão do curso universitário. Transformá-lo em residência médica no interior seria difícil?
Os hospitais e postos médicos continuariam superlotados, mesmo com a divisão anteriormente proposta, se não forem dadas condições mínimas de higiene (saneamento básico), alimentação e uma maior preocupação com o meio ambiente.
Com um esquema de saneamento básico que realmente funcione, muitas das doenças que afligem a população teriam sua incidência reduzida, além de contribuir para as causas ecológicas. O meio ambiente, sendo respeitado — longe da falácia de alguns movimentos pseudo-ecológicos (poucos para a nossa felicidade) —, em muito contribuiria para a melhoria das condições de vida: saúde, alimentação, etc.
Aqui não cabe sugestões, mas solicitações: uma infra-estrutura mínima nas cidades, principalmente nas periferias e nos chamados bolsões de miséria (favelas, etc.), contribuindo, inclusive, para a resolução do problema de moradia e higiene. A boa vontade dos governantes e a idéia de que o muito que hoje se gasta, representa o lucro do amanhã!
Ultimamente, o Poder Público tem tomado algumas providências, tais como o oferecimento de vagas para médicos e enfermeiros em cidades interioranas, com remuneração diferenciada daquela destinada aos profissionais que atuam em capitais e cidades maiores; programas de agentes de saúde (ações médicas, sanitárias e ambientais); maiores ações vacinais.
Falta apenas a interligação ao saneamento e sua maior difusão e planejamento das realidades e necessidades do país.

Educação

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Nunca se deve pensar apenas em educação como sinônimo de instrução, conhecimento e saber no seu sentido estrito, mas sim num sentido mais amplo, a educação como forma de instrução e comportamento.
Não bastam as escolas, necessita-se de professores conscientes e capazes. Há falta de escolas, é verdade, mas maior é a falta de verdadeiros professores, aqueles que realmente se preocupam com o futuro da nação, com capacidade de transmitir os ensinamentos.
Na atual conjuntura, refletindo um processo de alienação nas escolas, muitos dos atuais professores deixaram de o ser na essência da palavra, outros nunca o foram. São, isso sim, profissionais do ensino, cumprindo suas atribuições de forma mecânica, sem ter condições de uma melhor formação ou aperfeiçoamento.
Em outras épocas, uma escola pública funcionava em superior condição às particulares, com excelente nível de ensino (aqui não isentamos a baixa qualidade de algumas das escolas particulares). Procurando alcançar um maior número de alunos, e não havendo um planejamento eficaz, o Estado aumentou o número de escolas sem ter em mente a responsabilidade para com a qualidade dos professores.
Para atingir a uma maior clientela, massificou-se o corpo docente, em real prejuízo à qualidade de ensino, em parte com a cumplicidade do próprio Estado, algumas vezes para apenas fazer cumprir uma lei, noutras com o real propósito de baixá-la.
Não basta a quantidade, ela não satisfaz. Busca-se a qualidade.
Quanto ao comportamento, esse é um processo decorrente, tanto no aspecto formal como no informal, do ensino. Ele é efeito e causa ao mesmo tempo.
Um povo educado, bem comportado socialmente, evita as atuais condições da educação (ensino-aprendizagem), saúde (principalmente quanto à higiene) e reflete em outras áreas, como, por exemplo, a conscientização do que é o bem público: não uma propriedade dele, e sim para ele. Hoje, vemos o vandalismo nos ônibus, telefones públicos, etc., prejudicando, tão-somente, aos seus próprios usuários.
A longo prazo não há possibilidade de melhoria sem a conscientização da chamada elite social. Se a elite faz, por que o povão não pode? Basta ver os péssimos exemplos da nossa classe política: corrupção, brigas em pleno Congresso Nacional, e outros que nem vale a pena lembrar. É um trabalho de longuíssimo prazo e dele dependerá toda a base da melhoria de sua condição de vida.
Um aspecto bastante relacionado, tanto com a saúde quanto com a educação, é a alimentação.
Se é dada condição de melhoria alimentar à população, da mesma forma que a infra-estrutura básica de saneamento e higiene, diminui o elevado índice de procura por atendimento médico-hospitalar. É criada, também, uma melhor condição para o aprendizado e desperta o interesse pelo desporto.
Aqui, a conscientização para a merenda escolar, devendo haver a busca de melhores condições nutricionais.
Programas vêm sendo criados: bolsa escola, erradicação do trabalho infantil, etc. Mas, será que eles traduzem a realidade e são abrangentes?
Tem-se notícia que não, com desvios de finalidade e fraudes estatísticas, mas uma melhor fiscalização serviria para inibir abusos, ampliando sua oferta àqueles que realmente necessitam.
Aliás, o valor de tais bolsas pode parecer pequeno, e até o é, mas para quem não tem nada, é uma dádiva e a esperança de vida para seus filhos.

Conclusão

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Numa rápida visão, um projeto político de Ciência e Tecnologia deve contemplar as áreas de saúde e educação, nas suas formas mais amplas, inclusive preocupando-se com a alimentação, habitação, higiene, etc.
A educação, como é concebida no momento atual, pode ser considerada como a grande vilã da necessidade de uma proposta realmente de base.
Um povo sem uma educação digna não pode ser culpado pelo fraco desenvolvimento nos setores de ponta. A massificação desordenada do ensino, principalmente no que tange à oferta de professores, levou ao caótico quadro hoje encontrado, inclusive com prejuízos aos atuais profissionais, que tiveram deficiência no seu próprio aprendizado. Foi criado um efeito bola de neve.
Com se verifica uma inversão na política desenvolvimentista do país, talvez o problema educacional consiga, de uma forma totalmente esdrúxula, ser resolvido de cima para baixo, ao invés da fundamentação da base para atingir ao ápice. Com o fortalecimento deste – o ápice – pode-se partir para uma melhoria na base.
Há, também, o problema da falta de professores qualificados, e até mesmo do professor em si, nas cidades interioranas de pequeno porte, a exemplo dos médicos. Seria o caso de elaborar um programa que supra tal ausência de qualificação, a título precário, de pessoas não habilitadas que poderiam, ao menos, contribuir para uma educação básica, despertando o interesse dos alunos para o prosseguimento nos estudos, desta feita com profissionais qualificados.
Aliás, incluir aqueles disseminadores em programas educacionais, motivando-os e instruindo-os é não apenas salutar, mas necessário.
Infelizmente, o mesmo não é tão fácil com a saúde, principalmente no atendimento qualificado, mas já há uma tentativa quanto à higiene e ao saneamento básico, onde noções preliminares são repassadas à população sem a necessidade de haver um profissional presente.
Os próprios meios de comunicação de massa (rádio e televisão) poderiam dar sua contribuição, como aliás já o faz de forma acanhada. Pequenos merchandinsing inseridos em novelas podem surtir um efeito ainda maior de conscientização. No mais, partir para uma melhor distribuição de profissionais e recursos é, a princípio, a melhor solução que se apresenta.
Muitas vezes, um programa sofisticado sai duplamente caro: tem um alto custo e não consegue ser transmitido a contento.
Um programa simples pode ter um baixíssimo custo e um enorme aproveitamento. Deve-se, sempre, ouvir o meio, pois daí resultará o aplicável à realidade de cada lugar.
O Estado tem ferramentas, só não se apercebeu, ainda, de como é fácil usá-las.
Se pensar que a obra eleitoreira, aquela que apenas disfarça o problema, é a que dá votos, não se apercebeu que o povo agradecido com a solução do problema é muito melhor, e fiel, do que aquele puramente remediado.
Como exemplo, a já por demais conhecida indústria da seca do Nordeste. Em época de seca, gasta-se em carros-pipa e em planos emergenciais, principalmente em período pré-eleitoral.
Havendo investimento, os açudes construídos teriam real utilização, poder-se-ia ter rios perenes, uma lavoura irrigada, etc., e, ao final, remontaria o primeiro slogan conhecido deste país: aqui, plantando, tudo dá!
E é a semente que se necessita, no caso a educação e a saúde, para ser plantada e daí, o futuro brotar, lembrando-se que: das menores ações surgem os maiores resultados.


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