O Testamento de Heilingenstadt é um documento escrito por Ludwig van Beethoven, datado de 1802. Trata-se de uma carta manuscrita, originalmente destinada aos dois irmãos Caspar Anton Carl van Beethoven (1774-1815) e Nicolaus Johann van Beethoven (1776-1848), e que nunca lhes foi enviada – e que ficou guardada numa gaveta da sua secretária em Viena, encontrada só depois da sua morte – , onde reflete, desesperado, a tragédia da sua surdez.


Como confessar esse defeito de um sentido que devia ser, em mim, mais perfeito que nos outros, de um sentido que, em tempos atrás, foi tão perfeito como poucos homens dedicados à mesma arte possuíam! Não me era contudo possível dizer aos homens: “Falai mais alto, gritai, pois eu estou surdo”. Perdoai-me se me vedes afastar-me de vós! Minha desgraça é duplamente penosa, pois além do mais faz com que eu seja mal julgado. Para mim, já não há encanto na reunião dos homens, nem nas palestras elevadas, nem nos desabafos íntimos. Só a mais estrita necessidade me arrasta à sociedade. Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava!