Projeto nº 48/1884,

O Senhor Rodolfo Dantas e o Presidente do Conselho de Ministros apresenta o Projeto nº 48/1884, declarando estar o mesmo formulado de acordo com o Gabinete, expressando “o pensamento do Governo acerca da reforma do estado servil”. Com base no art. 125 do Regimento Interno da Câmara, requer que o Projeto seja enviado às Comissões de Orçamento e Justiça Civil e Criminal para emitirem parecer. As Comissões elegeram, depois, Rui Barbosa como relator.[1] [2] [3]

Texto do Projeto: Nº 48/1884 editar

Elemento Servil editar

A Assembleia Geral decreta:

Da Emancipação editar

Art. 1º editar

A emancipação, nas hipóteses para que especialmente dispõe esta lei, opera-se:

1º Pela idade do escravo;

2º Por omissão da matrícula;

3º Pelo fundo de emancipação;

4º Por transgressão de domicílio legal do escravo;

5º Por outras disposições que adiante se especificam.

Dos Sexagenários

§ 1º O escravo de 60 anos, cumpridos antes ou depois desta lei, adquire ipso facto a liberdade.

I - Será facultativo aos ex-senhores retribuir ou não os serviços dos libertados em virtude deste parágrafo, que preferirem permanecer em companhia deles; incumbindo, porém, aos ex-senhores ministrar-lhes alimento, vestuário e socorro, no caso de enfermidade ou invalidez, com obrigação para os libertos de prestarem os serviços compatíveis com as suas forças.
II - Cessa para o ex-senhor esse encargo, se voluntariamente o liberto deixar ou tiver deixado a sua casa e companhia.
III - Se o ex-senhor não cumprir a obrigação imposta neste parágrafo nº 1, compete ao juiz de órfãos proverem a alimentação e tratamento do enfermo ou inválido; correndo as despesas por conta do Estado.

Da Matrícula

§ 2º O Governo mandará efetuar nova matrícula dos escravos, com declaração do nome, cor, idade, estado, naturalidade, filiação, aptidão para o trabalho, profissão e valor, computado nos termos do § 39 deste artigo.

I - Será de um ano o prazo concedido para a inscrição, devendo este ser anunciado com três meses, pelo menos, de antecedência, por meio de editais, nas quais será inserido o número seguinte;
II - Serão considerados libertos os escravos que não forem dados à matrícula no prazo em que esta se achar aberta.
III - A inscrição somente se efetuará a vista da relação a que se refere o final do art. 13 do regulamento aprovado pelo Decreto nº 4.835, de 1º de dezembro de 1871; não se podendo alterar as declarações constantes da mesma relação, quanto ao nome, cor, idade, naturalidade e filiação do matriculando.
VI - No caso de extravio da sobredita relação, poderá ser suprida por certidão extraída dos livros da matrícula especial a que se refere o art. 8º da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871.
V - A idade do matriculando computar-se-á à vista da que constar da referida matrícula especial, devendo-se contar desde o dia da apresentação das relações de que trata o art. 13 do supracitado Regulamento nº 4.835, de 1º de dezembro de 1871, adicionando-se-lhe o período decorrido até o dia em que o senhor, ou quem suas vezes fizer, apresentar a relação que há de servir de base à nova matrícula.
VI - Pela matrícula de cada escravo pagará o senhor, ou quem suas vezes fizer o emolumento de 1$000; destinando-se o produto desta taxa às despesas da matrícula, e o excedente ao fundo de emancipação.

Do Fundo de Emancipação

§ 3º Faz parte necessária da matrícula estabelecida no parágrafo ante cedente à estipulação do valor do escravo, arbitrado por declaração do senhor.

I - Esse valor, em caso nenhum, excederá o limite máximo de:

800$, se o escravo for menor de 30 anos;

700$, se tiver de 30 a 40 anos:

600$, se tiver de 40 a 49 anos;

400$, se for quinquagenário.

II - O valor declarado pelo proprietário vigorará para as alforrias pelo fundo de emancipação e quaisquer outras, independentemente de arbitra mento, salvo o caso de invalidez ou estado valetudinário do escravo, que anule ou reduza notavelmente o seu valor.
III - Sobre o valor do escravo, calculado segundo o disposto neste pará grafo, pagará anualmente de imposto o proprietário:

1º nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Porto Alegre, Bahia, Recife, São Luís e Belém – 5%;

2º nas demais cidades e vilas – 3%;

3º nos outros lugares – 1 %.

VI - A todas as contribuições, diretas ou indiretas, que compõem a renda do Estado, acrescerá uma taxa adicional de 6%, calculada sobre o respectivo valor e com elas conjuntamente arrecadada, sem remuneração dos agentes fiscais. São isentos desta sobretaxa os impostos de exportação.
V - O imposto de transmissão da propriedade escrava, no município neutro, regular-se-á pelas taxas seguintes:

Se a transmissão se der por herança ou legado: Em linha reta, herdeiros necessários – 5%; idem, idem, não necessários – 10%: entre cônjuges no testamento – 10%; entre irmãos, tios irmãos dos pais e sobrinhos filhos dos irmãos – 20%; entre primos filhos dos tios irmãos dos pais, tios avós e sobrinhos netos – 30%; entre os demais parentes, até o décimo grau, por direito civil – 40%; entre cônjuges, ab intestato – 40%; entre estranhos – 50%.

Se a transmissão se realizar por doação entre vivos: Em linha reta, herdeiros necessários – 5%; idem, idem, não necessários – 10%; entre noivos, por escritura antenupcial – 5%; entre cônjuges – 10%; entre irmãos, tios irmãos dos pais e sobrinhos filhos dos irmãos 10%; entre primos filhos dos tios irmãos dos pais, tios avós e sobrinhos netos dos irmãos – 15%; os demais parentes, até ao décimo grau, por direito civil – 20%; entre estranhos – 25%.

Se a transmissão for por outros atos: Compra e venda, arrematação, adjudicação, da ação in solutum e atos equivalentes – 10%; permutas, sobre o menor dos valores permutados, ou um deles, sendo iguais – 2%.

VI - Efetuada a conversão dos bens das ordens religiosas, recairá, para os fins desta lei, sobre o valor dos juros das respectivas apólices, um imposto de 20%.
VII - A renda criada ou aumentada por esta lei pertence exclusivamente ao fundo de emancipação; ficando abolidas as taxas atuais sobre escravos.
VIII - Na classificação para as alforrias pelo fundo de emancipação a inferioridade do preço do escravo constituirá a preferência em cada uma das classes; proferindo ainda, entre os favorecidos por essa preferência, aqueles que possuírem pecúlio, na ordem dos respectivos valores.

Localização do Escravo

§ 4º O domicílio do escravo é intransferível da província onde se ache residindo ao tempo da promulgação desta lei.

I - A mudança desse domicílio importa para o escravo a aquisição da liberdade.
II - Não adquirem, porém, a liberdade por mudança de domicílio, os evadidos e os que acompanharem seus senhores, quando estes mudarem de domicílio.

Disposições Diversas

§ 5º São válidas as alforrias outorgadas ainda no excesso da terça, sem direito a reclamação dos herdeiros necessários, e preferem a outras disposições quaisquer do testador.

§ 6º O penhor não pode ser constituído em escravos, salvo unicamente de estabelecimentos agrícolas com a cláusula constituti.Os escravos empenhados com infração deste preceito adquirem por este fato a liberdade.

§ 7º São nulas:

I - A cláusula a retro, nas vendas de escravos e atos equivalentes.
II - Em geral a estipulação, condição, cláusula ou ônus, que embarace, ou prejudique a liberdade.

§ 8º É irretratável a alforria concedida pelo fundo de emancipação, bem como por efeito da disposição deste artigo, § 2º, nº II.

Do Trabalho editar

Art. 2º editar

O domicílio dos libertos pelo fundo de emancipação considera-se fixado, por cinco anos, a contar da data da alforria, no município onde residirem ao tempo dela.

§ 1º Excetuam-se:

I - Aqueles a quem (por lhes faltar emprego no município) se designar ocupação em colônias ou estabelecimentos, públicos ou particulares, em outro município ou província.
II - Os que, por moléstia provada perante o juiz de órfãos, obtiverem desta autoridade permissão de transladar para outro município ou província o seu domicílio.
III - Os que, tendo família em outro lugar, obtiverem dessa autoridade igual consentimento.

§ 2ºO liberto que deixar o seu domicílio legal será policialmente compelido a voltar a ele, e incorrerá nas penas de 2 a 30 dias de prisão, com serviço nas obras e estabelecimentos públicos, onde os houver.

I - Da primeira transgressão conhecerá o juiz de paz; cabendo-lhe impor, sem recurso, as penas de dois a cinco dias de prisão.
II - Nas reincidências julgará o juiz substituto ou o municipal; sendo a pena de 10 a 30 dias, com recurso voluntário para o juiz de direito. O governo, em regulamento, estabelecerá a forma do processo.

§ 3º O liberto que não exercer profissão ou emprego, ou não tiver de sua propriedade lavoura ou indústria, por onde granjeie a subsistência, será obrigado, pela forma prescrita no parágrafo antecedente, a contratar-se no serviço doméstico, agrícola ou industrial, em casas, estabelecimentos ou obras públicas ou particulares:

I - Rescindindo mais de duas vezes, além das penas do § 2º, incorrerá na de trabalhar por dois a quatro meses, sob a vigilância especial da polícia, em obras do município, província ou Estado, a arbítrio da autoridade policial.
II - Por deliberação dessa autoridade, o serviço obrigado, nos casos do número antecedente, cessará antes de preenchido o tempo da sentença, quando o liberto der provas de reabilitação moral e disposição espontânea para o trabalho.

§ 4º Os ajustes de locação do serviço de libertos celebrar-se-ão:

a) nas cidades, mediante declaração do locador e do locatário, averbada em um registro escriturado regularmente na polícia;

b) nos distritos rurais, pela mesma forma, em um registro escriturado no juízo de paz.

I - Pelo registro de cada contrato pagará o locatário dos serviços 1$, de emolumentos, para o oficial que o fizer.
II - Para validade destes contratos não se admite outra prova além do registro estatuído neste parágrafo.
III - Se o locatário o não efetuar, pode o locador requerê-lo verbalmente ou por escrito, ao juiz de paz. Neste caso incorre o locatário na multa de 50$000.
IV - O regulamento estabelecerá as penas disciplinares contra os funcionários remissos no desempenho dos encargos que por este parágrafo lhes incumbe; podendo cominar multas de 100$ a 300$000.

§ 5º O regulamento especificará igualmente os casos de rescisão legal dos contratos de locação dos serviços de libertos.

§ 6º Nas comarcas gerais, o juiz de direito e o municipal, e nas especiais, o juiz substituto e um dos vereadores do município, eleito por seus colegas, constituirão, sob a presidência da primeira dessas autoridades, uma junta, que deve reunir-se cada ano na época prescrita no regulamento.

I - Incumbe a esta junta, ouvidas as opiniões mais competentes e feitas as convenientes averiguações, estipular, em relação aos libertos a taxa míni ma do salário para os vários trabalhos rurais e industriais praticados na comarca.
II - É nula a cláusula do contrato de serviços em que o liberto renunciar o benefício da disposição antecedente.
III - É livre ao liberto ajustar os seus serviços como e onde lhe aprouver, no município do seu domicílio, e procurar ou aceitar salário superior à taxa fixada nos termos deste parágrafo, nº I, quando algum contrato anterior o não embarace.
IV - Em falta de salário mais elevado, não é lícito ao liberto recusar- se ao trabalho retribuído na conformidade deste parágrafo, nº 1, sob as penas deste artigo, § 2º e § 3º.
V - A taxa deste parágrafo, nº 1, presume-se sempre ser a ajustada, não se admitindo prova em contrário, se no contrato averbado não houver outra estipulação.

§ 7º A duração máxima dos contratos de locação de serviços, nos distritos agrícolas, é de três anos, podendo, todavia, renovar-se por contratos sucessivos.

§ 8º As questões entre locador e locatário de serviços agrícolas, que versarem sobre a importância do salário, serão processadas e julgadas pelo juiz de paz do distrito, com recurso voluntário para o juiz de direito:

I - Notificado o réu e acusada a citação na audiência aprazada, o juiz decidirá, ouvidas verbalmente as partes e reduzidas a termo as suas alegações e provas.
II - As custas serão pagas pela terça parte das taxas do atual regimento.
III - Nestas causas o fundamento da sentença será a prova aduzida mediante exibição de documento do registro do contrato; devendo os funcionários incumbidos do registro dar gratuitamente às partes contratantes as respectivas cópias autênticas.

§ 9º Ao juiz de direito incumbe proceder ex officio contra o juiz de paz ou o escrivão que retardar as diligências determinadas nesta lei, para celebração dos contratos de locação de serviços e sua execução promovida judicialmente.

§ 10. O liberto, operário agrícola ou industrial, que se recusar à presta ção dos serviços estipulados no contrato, ou à subordinação indispensável para com o locatário, incorre nas penas deste artigo,§ 1°§ 2º e 3º, impostas pelas mesmas autoridades e mediante o mesmo processo.

§ 11. O liberto, operário industrial ou rural, que se ausentar do trabalho sem dar imediato conhecimento ao locatário dos motivos que o levaram a isso, perderá o duplo dos salários que durante a sua ausência tiverem corrido, e ficará obrigado a servi-lo, se o locatário o quiser, além do prazo do ajuste, pelo duplo do tempo da ausência.

§ 12. O governo, no regulamento que expedir para execução desta lei, classificará os delitos e infrações peculiares às relações entre patrão e operário, podendo impor multas até 200$ e prisão até 60 dias. No mesmo regulamento estabelecerá a competência e processo, que será sumaríssimo.

Disposições Diversas

§ 13. São proibidas as casas ou escritórios de compra e venda de escravos. Pena de 5:000$, e o duplo nas reincidências. O processo será o do art. 12, § 7º do Código do Processo Criminal.

§ 14. O governo estabelecerá colônias agrícolas para os libertos que não se puderem empregar em estabelecimentos e casas particulares. Nestas poderão também ser admitidos os ingênuos de que trata a lei de 28 de setembro de 1871.

§ 15. Nos regulamentos das colônias de libertos se estabelecerão regras para a conversão gradual do foreiro ou rendeiro do Estado em proprietário dos lotes de terra que utilizar a título de arrendamento.

Art. 3º editar

Ficam revogadas as disposições em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 15 de julho de 1884.

– Rodolpho Dantas – Rui Barbosa – Flanklin Doria – Tomaz Pompeu de Souza Brasil – José Marianno –Antônio Antunes Ribas – Theophilo Fernandes dos Santos –Adriano Pimentel – Manoel Carlos – César Zama –Almeida Oliveira – Salustiano Rego – Sinval – Vianna Vaz – Severino Ribeiro – José Pompeu – Leopoldo de Bulhões – Prisco Paraízo – Diana – Aristides Spinola – Dr. T. Bomfim Espíndola – Silviano Brandão – Mon tandon – Castello Branco – Bezerra Cavalcanti –Generoso Marques – A. E. de Camargo – Francisco Ildefonso Ribeiro de Menezes –José Basson de Miranda Osorio.

Referências editar

  1. http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/243294
  2. http://www.projetomemoria.art.br/RuiBarbosa/glossario/p/projeto-dantas.htm
  3. https://searchworks.stanford.edu/view/1345723