Na cratera de um vulcão
Fiz meu ninho— aguia sublime
Da liberdade a canção
Acompanhou-me no crime.
Por cerrado nevoeiro
O meu cabeço altaneiro
—Ufano cedro enterrei—
Mas veio o raio celeste
Como em Jafa a negra peste,
No chão a face rojei!
Por sobre restos humanos
Ampla estrada ovante abri;
Entre destroços e damnos
Da bala ao silvo dormi!
Os homens todos trèmiam,
Quando meus passos ouviam
Troar n’um brazido acceso;
Mesmo hoje terror infundo,
Nem pòde soffrer o mundo
Das minhas glorias o peso.
Possante a fama agoureira
—Não hei de calar, não calo;
Esmaguei a terra inteira
C’o as patas do meu cavallo!
Abri mappas, fiz nações,
Das extinctas gerações
A fria cinza tremeu!
Da gloria sobre os caminhos
Colhi louros dos espinhos,
Vi na terra a luz do ceo.
Rei da victoria, senhor,
Das balas que me seguiam,
Da batalha entre o fragor,
Si eu fallava—ellas fugiam! ...
O vate da Ukranea ouviu-me,
Alegre a Italia sorriu-me,
Caminhei por toda a parte;
Viu-me o turco minarete,
Reluzir meu capacete,
Fluctuar meu estandarte.
Quem sou ? Pergunta á procella
Que nome o raio solettra;
A’s aguas do mar que vela
O que diz a vaga tetra;
O que murmuram sombrias
As azas das ventanias
No medonho esfuziar;
Que mysterio ouve o tufão,
Quando o carvalho no chão
Quebra os ramos no tombar.
Comigo os Alpes dobraram,
Os gelos se derreteram ;
Os homens se libertaram,
E por mim tambem gemeram!
Do rutilo Cezar o astro
Empallideço, se alastro.
O campo ethereo dos ceos!
Não me venceu Alexandre,
Como Annibal fui tam grande,
Fui na terra um semideus!
No correr da vida a morte
Uma epopeia compuz,
Nem de Homero a mente forte
Maior grandeza traduz!
Anjo excelso das batalhas—
Não haveriam mortalhas
P’ra as vidas que decotei!
Fui um Júpiter Tonante,
—Joguei thronos n'um instante,
—E mil imperios parei.
Tive um palco—a terra inteira,
Vassalos—Papas e Reis !
Té dos meus pés a poeira
Sagravam como suas leis !
N’um dia c’roas pisava,
E n'outro sceptros junctava,
Era o idolo do povo:
Da terra meu vulto ia
Tocar no que luzia,
Outro sol formar de novo—
Sol de Austerlitz brilhante;
Sol de Marengo altaneiro;
Sol horrivel, deslumbrante,
Da victoria audaz luzeiro;
Sol de homericas batalhas;
Sol que ao pé de mortalhas
Faz os mortos reviver;
Sol que ainda assombra a historia;
Sol que se chama gloria;
Sol que não póde morrer!
Hoje tristonho, isolado
N’esta rocha solitaria.
E’ meu silencio inda um brado
Que electrisa a turba varia;
Cantam-me o mar e o vento;
No furacão turbulento
Vai meu nome á eternidade!..
Eis meus bravos generaes—
Na furia dos vendavaes,
Meu clarim—na tempestade
N’este Golgotha—aqui suo
Meu triste suor de sangue;
Aqui na vida, que amuo,
Pende o corpo, a alma não langue;
Aqui tenho o meu destino,
Grande, heroico, divino,
Aqui talvez a vingança;
Sobre esta ilha esquecida,
Na minha campa da vida,
Deus escreveu--esperança!
Quem sabe si a minha raça
Precisava de baptismo;
Se no crisol da desgraça
Depurei o heroismo ;
Si é de minha alma o supplicio,
Do meu crime o sacrificio
A liberdade esquecida;
Se esta minha realeza,
Por nascer da natureza,
Precisava ser ungida!
Quiz ser Deus... oh foi loucura,
Foi horrivel sacrilegio;
Não cobrem a sepultura
As dobras de um manto regio!
Fui cego... os braços erguidos,
A tantos seculos perdidos,
Não avistei de uma cruz!
Ai! não vi n’esta cegueira
Que aquelle sangue a poeira,
Não manchou—encheu de luz.