O casamento de Valadares produziu grande impressão dans un certain monde, não acreditaram nele à primeira notícia, mas afinal não havia contestação que o boêmio, o estróina, o desalmado Valadares ia tomar estado.

A alguns parecia um sacrilégio, outros acharam que era simplesmente um milagre.

— Com que direito, dizia a Luisinha já citada, com que direito nos arrancam as pérolas do nosso adereço?

Havia um adereço em que Valadares era pérola.

Os rapazes já enraizados no país de Citera davam o noivo por maluco, posto que, no ânimo de alguns, o casamento era natural à vista dos bens da noiva.

Enfim, apesar de mil comentários e algumas apostas, Valadares casou.

Foi excelente a reunião em casa do sogro. Lá se achou, como prometera, o misantropo Daniel e mais o pai, que foi um dos padrinhos do casamento.

A noiva de Valadares era uma rapariga bonita, mas extremamente faceira, e apesar da especialidade do dia, em que todas as mulheres se parecem, era fácil adivinhar nela uma casquinha de primeira ordem. Via-se que era uma menina que casara para adquirir a liberdade de arruar. Caía em boas mãos.

Daniel, segundo o seu costume, não dançava; divertia-se em ver dançar os outros.

A família do deputado B... entrou às 10 horas; acompanhava-a Luís, o interpelante oposicionista que já encontramos na Rua do Ouvidor.

Augusta estava radiante; a sua beleza, que reunia magnificamente a graça e a severidade, era dessas que centuplicam com as luzes da sala e perdem com a luz do dia. Quer isto dizer que, se Daniel a achara bonita na Rua do Ouvidor, achou-a divinamente bela no salão dos Seabras.

Quando ela entrou, fez sensação. Todos se curvavam involuntariamente por onde ela passava, semelhante à Vênus clássica, cuja divindade se percebia simplesmente pelo andar. Daniel achava-se encostado a uma porta por onde Augusta entrou na sala da dança. Não se curvou, nem deu sinal de si. Augusta pareceu recordar-se das feições do rapaz, e demorou-se alguns segundos a olhar para ele, mas para logo retirou os olhos, repetindo o mesmo gesto de desdém que tanto impressionara o filho do velho Marcos.

— Por que este gesto?

Perguntava Daniel a si mesmo. Nunca a tinha visto, nem pretendido. De onde vinha essa espécie de prevenção contra ele? A curiosidade e o amor-próprio do rapaz estavam sofrivelmente aguçados.

Augusta entrou na sala pelo braço do tio; Luís dava o braço a Madalena.

Quando Valadares a viu entrar, foi ter com Daniel.

— Tive uma idéia, disse ele ao amigo.

— No dia de hoje, nenhuma idéia pode ser boa.

— Pois é. Casa-te com Augusta.

A dança interrompeu o diálogo.

Daniel colocou-se de modo que visse Augusta; esta dançava com Valadares.

Durante a maior parte da quadrilha, os olhos de Daniel não se encontraram com os de Augusta; mas no fim, por simples acaso, a moça olhou para o rapaz, e sustentou por alguns instantes o olhar dele. Pareciam interrogar um ao outro. Desta vez, foi Daniel o primeiro que afastou os olhos, e retirou-se.

Saiu dali, foi para uma sala intermediária, e ali atirou-se a um divã.

Estava só.

Consultou o relógio, olhou para o teto, examinou as luvas, concertou a gravata, levantou-se, deu alguns passos, e tornou a sentar-se até que a quadrilha acabou.

A sala foi invadida por alguns pares.

Posto que fosse perfeito homem de sociedade, nada o aborrecia mais que o frufru das sedas, o estalar dos leques, o murmúrio das conversações, todos esses rumores de uma festa alegre, que destoavam com o seu espírito reservado e solitário.

O fastio começou a invadi-lo; dentro de uma hora, se lhe não tivessem mão, estaria entre os lençóis.

Levantou-se e ia dirigir-se para a outra sala, quando lhe apareceu o pai, dando o braço a Madalena. Marcos chamou-o. Daniel aproximou-se; o velho apresentou o filho à mãe de Augusta.

Daniel recebeu a apresentação com frieza; porém, Madalena foi tão amável que era impossível esquivar-se-lhe. Conseqüentemente, conversaram os três durante algum tempo.

O grupo foi aumentado daí a alguns minutos com a chegada de Valadares que trazia Augusta pelo braço. Nova apresentação e desta vez mais solene para os dois apresentados. Nenhuma palavra foi trocada além do simples cumprimento que Daniel dirigiu a Augusta e que esta ouviu inclinando levemente a cabeça e olhando-lhe para os pés.

Não tinha que ver: aquelas duas criaturas antipatizavam um com o outro. Não se casava a altivez de uma com o orgulho do outro. Era o caso do provérbio: duro com duro...

Mas se ambos antipatizavam a tal ponto, nem por isso Daniel deixava de admirar a beleza de Augusta, e Augusta a desdenhar a severidade de Daniel; e essa mesma admiração os afastava mais; porque a admiração é um preito; e nas poucas e curtas vezes que se haviam encontrado, claramente se percebia em cada um deles a consciência da superioridade.

Não era entretanto do mesmo modo que Augusta olhava para Luís; para este olhava com certa compaixão. Parecia ter pena dele. Quando este lhe falava, ela respondia com bondade e doçura, mas a doçura e a bondade de quem trata com um inferior, o que contrastava com o respeito do namorado político. E, no entanto, o crime dele era simplesmente gostar dela, e havê-la pedido em casamento, ao que ela se escusou, dizendo que era melhor ficarem simples amigos.

Luís não dançava; tinha como Daniel, a opinião de que a dança é um prazer dos olhos.

No fim, porém, de meia hora, Valadares foi ter com Daniel insistindo para que ele dançasse ao menos uma quadrilha, ao que ele recusou. Como estivessem a discutir este importantíssimo ponto, passou Augusta, e Valadares interrompeu-a para dizer-lhe oficiosamente:

— O Dr. Daniel incumbiu-me de lhe pedir esta quadrilha para ele.

Daniel mordeu os beiços.

Augusta respondeu olhando para Valadares.

— Mas eu não danço mais.

— Por quê?

— Estou cansada.

Daniel interveio.

— O Valadares, disse ele, pediu-lhe espontaneamente uma honra que eu não ousava desejar, nem esperar.

— Estou cansada, repetiu secamente Augusta, a quem Valadares deu o braço, escapando assim a uma repreensão do amigo.

Daí a um quarto de hora, Daniel desapareceu do baile.