Horto (1910)/Quando eu morrer
A Julieta Mascare
Quando eu morrer... (Quem me dera
que fosse n’um dia assim,
n’um dia de primavera
cheirando cravo e jasmim!)
... transformem meu coração
- sacrário azul de esperanças -
n’um pequenino caixão
para enterrar as crianças.
De meus olhos façam círios,
de meu sorriso um altar
- cheio de rosas e lírios,
tão doce como o luar -,
e guardem nele, entre flores,
longe, bem longe da terra,
a Virgem santa das Dores
lá da Igrejinha da Serra.
D’aquele sonho formoso
que minh’alma tanto adora,
façam o turíbulo piedoso
que incense os pés da Senhora...
E as saudades orvalhadas
- de meu amor triste enleio -
transformem nas sete espadas
de dor que Ela tem no seio!...
Se d’este repouso santo
em que meu corpo adormece
vier perturbar o encanto
o choro de quem padece:
eu quero as gotas de pranto
todas mudadas em prece...
Prece que leve, cantando,
minh’alma ao celeste ninho,
como um pássaro ruflando
as asas brancas de arminho.