Eu morro, eu morro. A matutina brisa
Já não me arranca um riso. A rósea tarde
Já não me doura as descoradas faces
Que gélidas se encovam.
Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo.
5Corre nas veias negras desse mármore
Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente,
Abre ao primeiro o boca libertina.
Ei-la a nau do sepulcro — o cemitério...
10Que povo estranho no porão profundo!
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo.
Tem os fogos — errantes — por santelmo.
Tem por velame — os panos do sudário...
15Por mastro — o vulto esguio do cipreste,
Por gaivotas — o mocho funerário...
Ali ninguém se firma a um braço amigo
Do inverno pelas lúgubres noitadas...
No tombadilho indiferentes chocam-se
20E nas trevas esbarram-se as ossadas...
Como deve custar ao pobre morto
Ver as placas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!...
25Oh! perguntai aos frios esqueletos
Por que não têm o coração no peito...
E um deles vos dirá "Deixei-o há pouco
De minha amante no lascivo leito."
Outro: "Dei-o a meu pai". Outro: "Esqueci-o
30Nas inocentes mãos de meu filhinho"...
... Meus amigos! Notai... bem como um pássaro
O coração do morto volta ao ninho!...