§ II
Correspondencia com o Governo patrio
 

As communicações que o Agente Diplomatico dirige ao seu Governo têem o nome de Officios, segundo a praxe da Chancellaria Portugueza; e as que d’elle recebe chamam-se Despachos, distincção que não existe em muitas outras chancellarias, onde este ultimo vocabulo é applicavel ás duas especies.

Em sentido lato, o Officio não é mais do que um relatorio ou uma informação; terá porém diversos aspectos, conforme o seu objecto.

Basta ter-se em vista este caracter essencial do documento, e assim a differença entre as relações que prendem o Agente ao seu Governo e as que mantém com o Governo da residencia, para logo perceber que o Officio e a Nota tambem se differençam essencialmente. A persuasão, que é muitas vezes o fim principal da Nota, nada tem com o Officio; ou pelo menos raros são os casos em que isso seja licito e regular. Um Enviado póde dar a sua opinião; mas não lhe compete discutir com o Governo que representa. Os recursos rhetoricos que, nos devidos limites, têem seu logar na Nota, seriam aliás deslocados n’um Officio, que se deve limitar a uma simples exposição clara e exacta dos factos, dos motivos, e das ponderações que vierem a proposito.

Reduziu-se a tres formas principaes a materia sobre que versa este genero de composição: a descriptiva, a narrativa ou historica, e a deliberativa.

Emprega-se o estylo descriptivo nas informações transmittidas a respeito do caracter individual, ou de circumstancias relativas a pessoas e logares. Poucos Officios d'esta forma nos depara o exame das nossas collecções impressas (le escriptos modernos; talvez por serem geralmente de natureza muito reservada, sobretudo tratando-se de pessoas. Damos porém um exemplo no modelo N.° 4; os §§ 3 e 4 d'esse Officio pertencem á forma descriptiva, ao passo que o § 1 é da narrativa, e o § 2 da deliberativa. Nos dezoito tomos do Quadro Elementar das Relações Políticas e Diplomaticas de Portugal com as diversas Potencias do mundo, encontrar-se-hão summarios dc muitos Officios da forma descriptiva, como, por exemplo, o Officio do Embaixador de França de 17 de junho de 1755, acerca da sua recepção solemne, T. VI pag. 56; a Memoria do Enviado de França ao seu Governo, datada de fevereiro de 1765, a respeito de Portugal, T. VII pag. 156; o Officio do Embaixador da mesma Nação, com data de 11 de junho de 1771, em que se trata de José de Seabra da Silva, T. VIII pag. 9; outro, de 2 de janeiro de 1777, acerca do Marquez de Pombal, T. VIII pag. LXI, not. 2; outro de 14 de igual mez, sobre as circumstancias dos personagens que se indigitavam como successores provaveis do referido Marquez, T. VIII pag. 298; et alibi.

Esta forma, porém, confunde-se muitas vezes com a forma narrativa, como se deixa ver, por exemplo, na Carta de D. Miguel da Silva para El-Rei, datada de Roma a 31 de março de 1515, dando conta da entrada do «magnifico Julião», de sua mulher, e do sequito, na qual até os vestuarios são minuciosamente descriptos[1].

Da forma narrativa participam os Officios em que se referem factos e acontecimentos, recepções, conversas, conferencias, etc. Os modelos de N.° 5 a N.° 11 são do estylo narrativo; mas o § 3 e os seguintes do N.° 5, e o ultimo § do N.° 10, pertencem ao deliberativo.

É da forma deliberativa o Officio, ou parte de Officio, em que se dá conta do estado de uma negociação, em que se pedem instrucções, em que se offerecem duvidas, considerações, ou pareceres, em que se consulta e delibera. D'esta classe são exemplos os modelos de N.° 12 a N.° 16; mas no N.° 12 ha trechos da forma narrativa. Os Officios justificativos cabem n'esta divisão (N.° 13).

Ha porém assumptos que seria dilllcil collocar em qualquer das tres mencionadas divisões. Como, por exemplo, quando se trata de uma simples remessa (§ 1 do N.° 15); e quando o objecto se limita a um acto do cortezia ou de ceremonia (N.os 17 e 18).

A concisão e a brevidade são exigidas com menos rigor nos OfficiOS do que nas Notas, mórmente quando aquelles são da forma deliberativa; porque, sendo o essencial esclarecer o Governo quanto possivel, isso obriga a não omittir as particularidades tendentes a esse fim. A regra, porém, subsiste até onde a clareza e a integridade da informação o permittem.

Quando um Officio leva post-scriptum, deve este ser assignado, bastando porém o appellido ou a rubrica.

Os Officios são ostensivos ou reservados, confidenciaes, ou mesmo confidencialissimos; o que em nada altera o seu caracter official.

Depois de concluida uma missão especial, é costume dar-se conta ao Governo, por meio de um Relatorio documentado, do que se tiver passado de mais importante com referencia ao seu resultado[2].

MODELOS
N.° 4
Extracto de um Officio do Marquez de Palmella ácerca das consequencias politicas da morte do Duque de York

Ill.mo e Ex.mo Sr.

A morte de Sua Alteza Real o Duque de York, de que V. Ex.ª achará incluso o annuncio official, é um acontecimento não só doloroso para seu Augusto Irmão e Real Familia, mas que adquire importancia politica por motivo da grande popularidade de que o defuncto Duque gosava em Inglaterra, assim como do apoio que n'elle encontrava o partido aristocratico, ou, segundo a denominação usada n'este Paiz, o partido Tory. É muito de presumir que este fallecimento será seguido em breve de uma alteração parcial de Ministerio, do qual se suppõe que poderão sahir alguns dos membros mais idosos, contrarios ao partido liberal, a frente do qual se acha Mr. Canning. Consta mesmo que ha seis ou sete semanas o Duque de York reanimára as suas forças desfallecidas, para dirigir a El-Rei seu irmão uma carta, na qual passava em revista as questões mais vitaes que occupam o publico Britannico, Supplicando a Sua Magestade que parasse á borda do abysmo, que, segundo a sua opinião, estava mui proximo, e aconselhando uma mudança de systema politico, isto é, a mudança do Ministerio. Esta carta foi entregue tambem a Lord Liverpool, o qual apresentou a Sua Magestade em poucos dias uma resposta com a refutação victoriosa das accusações feitas ao Gabinte. El-Rei sem entrar em ulteriores explicações, limitou-se a transmittir essa resposta ao Duque de York.

É possivel que alguns amigos do defuncto Duque façam agora reviver e circular a sua carta, dando-lhe a importancia de uma especie de testamento politico. Até hoje porem creio que esta historia não transpirou em publico; nem sera conveniente que por nossa via se espalhe, para não abusar da confiança da pessoa de quem eu a soube, que é uma das mais interessadas no caso.

O Duque de Clarence, hoje herdeiro presumptivo do Throno de Inglaterra, não tem por ora filhos, e por sua morte succede nos seus direitos a Princeza Victoria, menina de idade de oito annos, filha do fallecido Duque de Kent. O Duque de Clarence não tem nem a influencia, nem o bom senso e capacidade para uma certa ordem de negocios, que possuia o Duque de York; comtudo não póde considerar-se como um indivíduo indifferente n'este Paiz o successor immediato ao Throno. Suppõe-se que o Duque de Clarence abraçará um systema politico opposto ao de seu irmão, e que se declarará em favor da emancipação dos Catholicos, augmentando assim infinitamente a força do partido que sustenta no Ministerio e no Parlamento essa causa.

Por outro lado, o partido a que chamarei anti-liberal considera agora em certo modo como chefe o Duque de Wellington, que acaba de ser nomeado para occupar o posto, vago pela morte do Duque de York, de Commandante em Chefe do Exercito, conservando ao mesmo tempo o seu logar no Gabinete, e accumulando d'est'arte empregos que só foram conferidos n'outro tempo ao Duque de Malborough. Duvidava-se no publico se n'elle, ou no Duque de Cambridge, irmão d'El-Rei, recahiria o commando do exercito; porém o favor d'El-Rei, os illustres serviços do Duque de Wellington, e a menos reconhecida capacidade do Duque de Cambridge decidiram a questão a favor do primeiro.

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Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, 9 de Janeiro de 1827.
Ill.mo e Ex.mo Sr. D. Francisco de Almeida.

Marquez de Palmella[3].

N.° 5
Meio do Ministro de Portugal junto da Republica Franceza, em missão especial, participando que o Directorio declarava róta a par com Portugal
N.° 48.
Ill.mo e Ex.mo Sr.

Expedi o expresso Manuel Fernandes de Oliveira hoje ás duas horas da manhãa, não me havendo sido possivel hontem accelerar mais a sua partida. Apesar do que expuz a V. Ex.ª no 0fficio que leva o mesmo expresso, sobre o que se havia passado hontem de manhãa no Directorio, nem eu nem o Embaixador de Hespanha esperavamos que esta manhãa aparecesse no Redacteur huma Resolução declarando róta a nossa Paz, com ordem ao Ministro das Relações Exteriores para me intimar o retirar-me sem demora, como V. Ex.ª póde ver na folha que remetto.

Esta resolução foi tomada hontem a nouto, não estando presente Mr. de Talleyrand, o qual foi logo ao Directorio para se informar dos motivos do rompimento e saber o que devia obrar. Respondeo-se-lhe que se me tinha concedido a prorogação dos trinta dias, na supposição de que chegasse a ratificação sem as restricções que se não podião esperar, e que o Directorio nem devia acceitar a proposição sobre as modificações, nem mendigar a mesma ratificação. Mr. de Talleyrand lhes disse que lhes pedia sómente a permissão de não executar a intimação para me retirar immediatamente, e se lhe respondeo que usasse a meu respeito de toda a moderação, de maneira que este Ministro me não fez intimação alguma.

O Embaixador de Sua Magestade Catholica expede hum correio para a sua Côrte com esta desagradavel noticia, do qual me aproveito para a participar a V. Ex.ª; e visto não receber a intimação referida, ainda me resta alguma esperança para se evitar a mina. Póde V. Ex.ª estar certo que se não remediara cousa alguma sem accrescentamento de dinheiro, como indemnidade e para dadivas secretas, e quanto mais se tardar maior será a somma. As informações que tenho, e que hoje mesmo novamente me derão, me confirmão da existencia destas intenções. Eu devo dizer a V. Ex.ª que, para salvar mais despezas a Sua Magestade, me foi preciso mostrar firmeza e valor contra projectos de intrigas as mais atrozes no momento da ultima revolução, e se eu podesse relatar as circumstancias deste facto, V. Ex.ª veria o quanto era horrivel a trama que se urdio, e alguns dos meus collegas que tiveram della noticia se admiraram da resistencia que oppuz. Por este facto póde V. Ex.ª colligir o que se deve esperar na conjunctura actual da nossa negociação.

Alem disto, para que a nossa ratificação pura e simples seja acceita no tempo presente, se faz absolutamente necessaria a cooperação de Sua Magestade Catholica, e que ella seja transmittida por aquella Côrte a este Governo com huma recommendação, em que se exponham os motivos politicos e de amizade que a obrigão a dar este passo. De outro modo não será acceita, e seguro a V. Ex.ª que este meio he o unico que se offereceo á meditação de pessoa que se interessa sinceramente pela nossa tranquilidade. Portanto me pareceo conveniente prevenir Diogo de Carvalho a este respeito, para dispôr este negocio e esperar as ordens de V. Ex.ª A Paz com o Imperador, ainda mais do que todas as outras razões, motivou a resolução do Directorio e faz necessaria a prompta resolução de Sua Magestade sobre este interessante objecto.

A minha situação em Paris com esta novidade he a mais penosa que he possivel imaginar, ainda que nem o publico, nem os Membros do Governo, nem os Jornalistas tem proferido cousa alguma contra mim; comtudo, vendo-me abatido pelos trabalhos e afflicções, irei talvez para Versailles, se com effeito me não intimarem a sair, a fim de evitar todas as conversações e perguntas desagradaveis a respeito da nossa conjunctura politica.

Queira o Ceo favorecer-nos com a continuação da saude do Principe Nosso Senhor e prosperidades de toda a Real Familia.

Deus Guarde a V. Ex.ª Paris, 27 de Outubro de 1797.
Ill.mo e Ex.mo Sr. Luiz Pinto de Souza Coutinho.

Antonio de Araujo de Azevedo

[4]
N.° 6
Extracto de um Officio de D. Diogo de Noronha, dando conta da conferencia que tivera com Talleyrand
N.° 18
Ill.mo e Ex.mo Sr.
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Chego de casa de Talleyrand, onde estive com Azara e Joseph Manuel Pinto: pouco depois que chegámos, nos recebeu, e feitos os primeiros comprimentos, lhe disse: que ainda que desejava muito conhecel-o, desejava, se era possivel, ainda mais que elle me conhecesse a mim, porque sabia que estimava os homens francos e de boa fé, e me lisongeava de ter tido esta reputação em dezesete ou dezoito annos de differentes commissões; que a que agora tivera, sendo a mais interessante, tinha logo no principio sido desgraçada, porque sendo mandado a Madrid a tratar da negociação da paz com esta Republica, e a deslindar algumas intrigas, excessos de poder e mais interpretações, procuraram embaraçar o bom successo desta negociação, espalhando que eu vinha procurar separar Hespanha de França e ligal-a com Inglaterra; e que vendo que isto me embaraçava o tratar com aquelle Ministerio a minha verdadeira negociação, me fôra preciso tomar sobre mim o offerecer-me para vir aqui, fazendo ver que não era possivel vir negociar contra França quem se offerecia vir a Paris; que Azara, que estava presente, sabia isto mesmo pela sua Côrte, assim como tambem não ignorava que, logo que recebi o passaporte, me pozera a caminho sem receber as ultimas instrucções da minha Côrte, e só pela certeza que tinha de que os desejos do Principe meu amo eram de concluir a paz; que no momento de partir escrevera á minha Côrte, dizendo-lhe que partia, porque não só tinha recebido o passaporte, mas a segurança de que este Governo se prestaria, para a conclusão do Tratado, a condições justas, e sem serem tão onerosas, como as que ultimamente tinha proposto, que eram inadmissíveis pelas razões que já tinha dito Azara, e elle lhe teria communicado; que esperava que a base da negociação fosse pouco mais ou menos a do antigo Tratado, visto que aqui o não tinham querido ratificar, não obstante o terem dado esperanças a El-Rei de Hespanha, vindo pela sua mão e em seu nome.

Esta proposição me negou elle absolutamente, dizendo-me que este Governo estimou que nós não tivessemos ratificado o Tratado, e que depois tinha sempre continuado a dizer que não devia subsistir; que a primeira negativa tinha sido da nossa parte. Respondi que não tinha sido absoluta, porque desejavamos combinar os dous artigos, de modo que não fossem oppostos aos Tratados que tinhamos com outras Côrtes, especialmente com Inglaterra, a quem deviamos contemplar, pela alliança, e pelas suas forças marítimas com que nos podia fazer grande damno; e que Araujo tinha, senão excedido, ao menos interpretado mal as suas instrucções; que finalmente esta mesma negativa a tinhamos remediado, mandando a ratificação só com o retardo de dous ou tres dias do prazo ajustado. A isto disse elle com muita policia, mas com frialdade, porque este he o seu caracter, que a demora tinha sido pela chegada do paquete, e que podia affirmar que Araujo tinha obrado segundo as suas instrueções. Por não teimar sobre este ponto, lhe disse, que este Ministro eonfessava sempre o quanto lhe tinha sido obrigado, e que tinha feito das suas virtudes e qualidades os maiores elogios à minha Côrte. A isto respondeu, que tinha estimado muito Araujo; e eu sei que com effeito tinha com elle amizade.

Tornando ao nosso assumpto, lhe disse que a minha Côrte, pelo que tinha feito e pelos passos que eu agora tinha dado, mostrava o quanto desejava a paz; que Hespanha tinha offerecido a sua mediação, e que se Araujo tinha por via de negociação feito aquelle Tratado, devia agora a Republica, em consideração de Hespanha, fazer-nos maiores vantagens; que eu tinha mostrado de boa fé as minhas instrucções a Azara; que não podia exceder daquillo nem uma virgula; mas que se o Governo se não satisfazia com o que eu propunha, nem era de tanto effeito como eu esperava, a mediação de Hespanha, nem por isto se devia seguir hum rompimento absoluto da negociação, e que o partir eu e Pinto daqui era hum signal disso; que hum negocio desta qualidade se devia tratar maduramente; que fizessem proposições justas e admissíveis, porque as remetteria à minha (Sorte, visto não ter plenos poderes para ajustar e firmar; porque devo dizer a V. Ex.ª que eu entendi ser melhor negar os meus plenos poderes e não os deixar ver, porque sendo tão amplos, se resistisse a firmar qualquer cousa que quizessem, me fariam retirar; e porque ganho hum mez de tempo em dizer que os mando pedir, tendo sempre dito que de lá m'os não mandarão, porque esperam pelo primeiro correio que daqui expedir com as ultimas proposições deste Governo.

Mr. de Talleyrand respondeu às ultimas proposições, que elle proporia tudo ao Directorio e me responderia: eu lhe disse que esperava que elle o propozesse com a justiça que costumava, e que lhe merecesse a mesma amizade que Araujo; e como sabia que elle tinha dito que nós entenderiamos que a destruição da esquadra franceza diminuiria aqui os meios de nos fazerem a guerra, lhe disse que eu conhecia que aqui não faltavam forças para nos fazerem a guerra por terra, mas que, para falar com franqueza, se lhe tinham diminuído para nos soccorrerem por mar; e aos Inglezes se lhe tinham augmentado, e se tinham desembaraçado do Mediterranea, para poderem atacar onde quizessem.

Acabado isto, nos levantámos, deixando Azara só com elle........

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Deus Guarde a V. Ex.ª Paris 28 de Setembro de 1798.
Ill.mo e Ex.mo Sr. Luiz Pinto de Sousa Coutinho.

D. Diogo de Noronha[5].



N.° 7
Officio do Conde de Palmella e de D. Joaquim Lobo da Silveira, Plenipotenciarios Portuguezes no Congresso, acerca da contribuição imposta á França
N.° 17
Ill.mo e Ex.mo Sr.

Tivemos hoje huma explicação com Mylord Castlereagh a respeito da repartição da contribuição que se impõe à França, e achâmo-nos por consequencia habilitados a dar a V. Ex.ª informações positivas sobre esse interessante assumpto. A quota parte que nos he destinada , e que he só de dois milhões de francos, parecerá sem duvida a V. Ex.ª, assim como nos pareceu tambem a nós, summamente exigua ; porem Mylord Castlereagh representou-nos novamente, que se havia convindo na base invariavel de não applicar esta somma senão á indemnisação das despezas da campanha de 1815, e que por esse princípio as nossas pretenções (admittindo que podessemos fazer algumas) deviam reduzir-se a muito pouco. Que em consequencia a nossa admissão, assim como a da Hespanha, Suissa e Dinamarca, era menos hum acto de justiça, de que hum obsequio tendente a reconhecer que haviamos sido membros da grande alliança, e a pôr em salvo o nosso decoro ou amor proprio nacional. Estas reflexões, posto que até certo ponto contrarias ao nosso interesse, não deixaram comtudo de nos parecer sensatas e ponderosas, e assim o confessámos francamente a Mylord Castlereagh, declarando-lhe ao mesmo tempo, que Portugal, cujos sacrificios e reclamações de toda a casta contra a França ascendiam a varios centos de milhões, não podia considerar agora huma indemnisação de dois milhões de francos senão como hum puro objecto de pundonor e não de interesse; porém que esperavamos, ao menos, que essa insignificante somma nos não fosse paga por pequenas parcellas nem a prasos distantes, e que as Potencias que recebiam quantias muito maiores, deviam sobre esse ponto dar-nos alguma preferencia. Essa questão do methodo do pagamento ainda não está decidida, e não deixaremos de tornar a insistir sobre ella quando se offereça occasião. Esperamos que o resultado das nossas diligencias, ainda que pouco avultado, nos mereça comtudo a benigna approvação de Sua Alteza Real o Principe Regente nosso Senhor, visto que em taes circumstancias tudo foi ganho, pois que Portugal nesta ultima guerra nem perdeu hum só homem, nem gastou hum só real, e a intenção bem decidida das quatro Potencias havia sido de nos excluir da repartição, e que essa exclusão a fundavam sobre hum principio ate certo ponto justo e incontestavel.

Junto com este officio temos a honra de remetter a V. Exª hum mappa das repartições da contribuição e da somma destinada para a construcção e reparação de fortalezas contra a França, conforme a exposição que nos fez Mylord Castlereagh ; julgamos que bastará para dar a V. Ex) buma idéa clara desse projecto. A Convenção porém a esse respeito ainda não está assignada pelas quatro Potencias, e logo que o esteja, deverá ser communicada aos demais ailiados. Mylord Castlereagh deseja que o dinheiro applicado ás fortificações seja percebido e administrado separadamente, e que se de conta a todos os alliados da sua distribuição.

A epocha da assinatura do Tratado final ainda não está determinada, e as varias negociações de que esse Tratado depende, poderão talvez durar até ao meado de Novembro. A forma que se adoptará para o Tratado não está tão pouco decidida.

Perguntámos a Mylord, se na renovação que se pretende fazer da federação de Chaumont, se desejava ou não comprehender Portugal; e para que não houvesse duvida sobre a intenção com que fazíamos essa pergunta, declarámos-lhe positivamente, que ella não nascia de hum empenho da nossa parte de ser comprehendidos na federação, mas sim da persuasão, em que estavamos, de que, no caso de se fazer hum semelhante Tratado e de não sermos comprehendidos nelle, nos julgariamos ipso facto desligados do Tratado de alliança de 25 de Março. Mylord Castlereagh assentiu á nossa declaração (que para maior clareza teremos o cuidado de renovar por meio de huma nota formal em tempo Opportuno) e respondeu-nos, que ainda não estava decidida a questão da admissão das duas Potencias da Peninsula na sobredita federação, porém que brevemente esperava dar-nos sobre esse ponto huma resposta positiva.

Resta-nos participar a V. Ex.ª que Mylord Castlereagh, que em toda a conferencia nos tratou com a sua franqueza e urbanidade costumada, nos declarou officialmente que o seu Governo approvara a resposta que elle nos deu por escripto sobre a admissão de hum Commissario portuguez na ilha de Santa Helena; de modo que este negocio está concluido, e que Sua Alteza Real poderá desde logo determinar afoitamente a esse respeito o que houver por bem.

Escrevemos este officio à pressa, na esperança que alcançará ainda em Bordeaux o navio em que vai embarcado o padre Luiz Soyé, portador de varios outros officios nossos para V. Ex.ª

Deus Guarde a V. Ex.ª muitos annos. Paris, 15 de Outubro de 1815.
Ill.mo e Ex.mo Sr. Marquez de Aguiar.

Conde de Palmella

Joaquim Lobo da Silveira[6].

N.° 8
Officio do Marquez de Palmella, sobre a batalha de Navarino

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Quando menos se esperava ouviu-se resoar por toda esta capital a noticia de uma grande victoria conseguida pelas esquadras das tres Potencias alliadas sobre as frotas Egypcia e Turca, que foram completamente destruídas na tarde de 20 de Outubro dentro do porto de Navarino.

Os detalhes d'este glorioso successo, que até ao presente são conhecidos aqui, acham-se todos no Officio do Almirante Codrington, publicado na Gazeta do Governo, de que tenho a honra de remetter um exemplar incluso, assim como no correspondente Officio do Almirante francez de Rigny, que V. Ex.ª sem duvida terá visto já nos jornaes de Paris, e se acha traduzido nas folhas inglezas que hoje remetto. Vê-se que reinou a melhor harmonia entre os tres Commandantes, havendo Codrington tomado a direcção superior em virtude do ajuste existente entre os tres Governos, que designa para esse fim aquelle dos tres Almirantes que tiver maior patente, e na escolha d'elles procurou-se de proposito que essa condição recahisse no Almirante inglez.

A defeza dos Turcos parece ter sido obstinada, sem embargo da especie de surpreza que se lhes fez, e das circumstancias accidentaes que deram motivo ao combate. Uma grande porção dos navios Inglezes e Francezes ficou tão maltratada, que não póde continuar a conservar-se no mar. Entretanto o golpe vibrado sobre os Ottomanos é decisivo. Ibrahim, privado de soccorros e mantimentos, vê-se na absoluta necessidade de evacuar a Moréa, e a independencia da Grecia sera o infallivel resultado da batalha de Navarino.

Varias opiniões se têem manifestado sobre a justiça ou conveniencia da resolução extrema que tomaram os tres Almirantes, como se acha expendido no protocollo da conferencia que tiveram antes de decidir-se o combate, e sobre o maior ou menor gráu de boa fé que possa ter havido no modo de avaliar as provocações feitas imprudentmnente pelos Turcos, e que deram motivo ou pretexto á acção. Esta materia offerece aos Publicistas amplo thema para a discussão; porém de qualquer modo que se julgue a questão de direito, o certo é que de facto, a querer seriamente levar a effeito a suspensão de hostilidades na Grecia, determinada pelo Tractado, era indispensavel obrigar a frota Ottomana a sahir das aguas da Moréa, ou destruil-a. O bloqueio que se projectava, alem de perigoso durante o inverno, seria sempre muito imperfeito ; e entretanto continuavam os Turcos, em menoscabo da intervenção das tres grandes Potencias da Europa, a guerra de devastação a mais atroz. Este ultimo acontecimento portanto simplilica a questão, e ha todo o motivo de pensar, que longe de produzir a guerra, excitando a Porta Ottomana a adoptar resoluções desesperadas, a lição que se lhe deu em Navarino humilhara o seu orgulho, e a induzirá a ceder sem mais demora as proposições dos Alliados, as quaes são na verdade tendentes a conservar ainda por algum tempo, mediante o saerificio de uma unica Provincia, o Imperio Ottomano na Europa, ao passo que uma guerra, se agora se ateasse entre a Turquia e a Russia, teria sem duvida para a primeira resultados ruinosos.

Nada se póde porém dizer a este respeito com segurança, emquanto se não receberem as primeiras noticias do effeito produzido em Constantinopla pela batalha de Navarino. Sendo possivel que a plebe commetta algum attentado funesto contra as pessoas dos Embaixadores, esse aggravo forçosamente attrahiria ulterior desforço dos Ailiados.

Diz-se que existia um grande numero de transportes Austriacos entre os navios que foram destruídos pelas esquadras lngleza, Franceza e Russa. Esta circumstancia, e a de se attribuir em grande parte à Austria a politica dilatoria que tem sido seguida pelo Divan, constituem o Gabinete de Vienna n'uma posição algum tanto desagradavel nas suas relações com as outras Potencias. Segundo as ultimas noticias de Constantinopla (20 de Outubro) a Porta limitava-se a pedir que o Internuncio Austríaco fosse, por assim dizer, o canal das negociações com as outras Côrtes, promettendo n'esse caso satisfazer os desejos dos Alliados. Isto porém era anterior ao combate, que pode fazer variar as resoluções do Divan.

Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, 15 de Novembro de 1827.
Ill.mo e Ex.mo Sr. Candido José Xavier.

Marquez de Palmella[7].

N.° 9
Officio do Marquez de Saldanha, Ministro de Portugal em Londres, em missão especial, dando conta do resultado da sua missão que julga terminada

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Desde a partida do ultimo paquete tres conferencias tenho tido com Lord Palmerston, o resultado das quaes foi o confirmar elle a communicação feita por Lord Howard a V. Ex.ª na nota de 24 de Abril ultimo, declarando que o Governo Britannico está perfeitamente prompto para investigar e discutir as reclamações do Governo de Sua Magestade Fidelissima contra a Gran-Bretanha quando por elle lhe forem apresentadas; o mandar preparar um Tratado de Commercio, que com a brevidade possivel sera enviado a Lord Howard; a sua insistencia em que o Tratado de Escravatura seja perpetuo ; e finalmente a convicção de que nada mais poderei obter relativamente as reclamações, apresentando-me Lord Palmerston as razões por que lhe era impossivel consentir em espaçar mais o primeiro pagamento, na eliminação dos juros, e a serem os pagamentos feitos na fórma da lei ate ao fim de 1837, e admittir qualquer diminuição nos pagamentos a individuos, apresentando-me, por exemplo, em apoio do procedimento do seu Governo a respeito de Sir John Milley Doyle, a opinião de dois Jurisconsultos Portuguezes, Sarmento, e Silva Carvalho.

Julgando por estas razões concluída a missão especial de que o Governo de Sua Magestade me encarregou, dirigi hoje a Lord Palmerston a nota de que remetto copia, e, contando partir no paquete immediato, de viva voz relatarei a V. Ex.ª pormenores d'aquellas conferencias.

No momento de entregar as letras apresentarei o protesto, que já está redigido.

Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, em 27 de Junho de 1840.

Ill.mo e Ex.mo Sr. Conde de Villa Real.

Marquez de Saldanha[8]

N.° 9, bis
Officio do Ministro de Portugal em Roma, informando que o Santo Padre manda offerecer a Rosa do Ouro a S. M. a Rainha
N.° 2

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Reservado.

Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª que o portador d'este officio o é tambem de uma caixa dirigida a Monsenhor Capaccini, a qual contem a Rosa de Ouro, que o Santo Padre offerece a Sua Magestade.

V. Ex.ª não ignorara que é uso antiquissimo dos Summos Pontifices benzer na quarta dominga da quaresma a Rosa de Ouro, que costumavam mandar de presente aos Principes Catholicos, com os quaes estavam em melhor harmonia; mas ha algum tempo a esta parte os Papas teem cessado de fazer semelhante presente aos Principes, seja porque entre estes não se tenha offerecido algum que lhes mereça esta particular distincção, seja por não julgarem conveniente darem a uns com preferencia aos outros publicas provas do seu particular affecto ; e portanto ao antigo costume tem succedido o de fazer aquelle dom aos estabelecimentos pios do Estado Pontificio, e raras vezes fora d'elle.

Hoje o Santo Padre resolveu mandar a Sua Magestade a Rosa, que benzeu domingo proximo passado; e porque esta resolução, se fosse aqui conhecida desde ja, não deixaria talvez de excitar a inveja de alguem, e de encontrar a opposição de antigas sympathias, ainda não de todo extinctas, principalmente no momento actual em que os inimigos da Rainha tiram argumento para seus discursos da demora de Monsenhor Capaccini em apresentar as suas credenciaes, conserva-se por ora aqui a mesma resolução no maximo segredo, de que unicamente eu sou sabedor, alem do Cardeal Secretario d'Estado, agente principal n'este negocio, e do official que escreveu o Breve dirigido n'esta occasião a Sua Magestade.

Devendo n'este caso, segundo o estylo, mandar o Santo Padre d'aqui um seu delegado a essa Côrte para apresentar a Rainha a Rosa de Ouro, assentou-se, para melhor manter o segredo, de autorizar para aquelle acto D. Estevão Vizzardelli, o qual, para que dignamente possa exercitar o mesmo acto, acaba de ser elevado por Sua Santidade á categoria de seu Cameriere secreto.

O que participo a V. Ex.ª com a maior satisfação, persuadindo-me que será mui agradavel a Sua Magestade, e produzirá ahi o melhor effeito no animo de todos os seus fieis subditos, esta manifesta prova da predilecção do Santo Padre para com a mesma augusta Senhora.

Beijo com o mais profundo respeito as Reaes Mãos de Suas Magestades.

Deus Guarde a V. Ex.ª muitos annos. Roma, em 14 de Março de 1842.

Ill.mo e Ex.mo Sr. Duque da Terceira.

João Pedro Migueis de Carvalho[9]


N.° 10
Officio do Ministro de Portugal em Londres, dando conta da conferencia em que propôz a negociação de um novo Tratado de Commercio

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Já no meu Officio, que em 4 do corrente tive a honra de dirigir a V. Ex.ª, accusei a recepção do importante Despacho de 28 de julho, que V. Ex.ª foi servido dirigir-me, e agora cumpre-me participar o modo por que comecei a dar cumprimento às ordens de V. Ex.ª, contidas no seu citado Despacho.

No dia 6 do corrente fui recebido por Lord Stanley, e participei-lhe o seguinte: Que o Governo de Sua Magestade, convencido de que o Tratado de Commercio entre Portugal e Inglaterra, celebrado em 1842, já não podia satisfazer ás necessidades do commercio das duas nações, eu havia recebido ordem de lhe propor de entrarmos em negociação para a conclusão de um novo Tratado sobre bases mais largas que as do de 1842 e conforme aos principios da sciencia economica; que não lhe devia encobrir que o principal objecto dos desejos do Governo de Sua Magestade era a abolição da escala alcoolica, adoptada como base para o imposto sobre o vinho; que da adopção d'essa base, que me não parecia conforme aos principios da sciencia nem util ao fisco, nem ao commercio inglez, havia resultado uma grande desvantagem para o commercio portuguez, sendo enorme o direito que pagam os vinhos portuguezes comparado com os francezes e os de outras nações.

Procurei desenvolver estas theses com os melhores argumentos que me occorreram, e terminei propondo formalmente a rescisão do Tratado de 1842, observando que, acceita a proposta negociação, era minha Opinião que ella deveria ter logar em Lisboa, seguindo-se assim o exemplo dos precedentes Tratados de Commercio celebrados entre Portugal e a Gran-Bretanha.

Lord Stanley ouviu com muita attenção a minha proposta e observações que a precederam, e respondeu-me em substancia o seguinte:

Que, sem me poder desde já responder de uma maneira definitiva, lhe parecia que não podia haver duvida alguma em acceder a minha proposta de rescisão do Tratado de Commercio de 1842, e que elle, Lord Stanley, estimaria que em um Memorandum eu lhe indicasse as principaes reducções de direitos que o Governo de Sua Magestade estava disposto a conceder aos productos inglezes, e que depois d'isso feito, elle consultaria os seus Collegas, e muito particularmente o Chanceller do Exchequer, e então discutiria os diversos pontos da minha argumentação, sobretudo os relativos à abolição ou substituição da escala alcoolica.

Comtudo que desde já julgava dever fazer-me as seguintes observações:

1.° Que, achando-se já regulada a receita do anno proximo futuro, o Governo não podia, sem grave prejuizo do serviço publico, renunciar a uma verba de receita de £ 16.000:000;

2.° Que o fim da escala alcoolica não havia sido só crear uma verba de receita, mas tambem um meio de defender as producções alcoolicas inglezas; 3.° Que, substituída a base da escala alcoolica por outra base que fosse favoravel aos vinhos portuguezes, essa substituição excitaria os clamores dos Governos das nações productoras de vinhos fracos.

Quanto á primeira objecção, observei-lhe que eu reconhecia que era impossivel ao Governo Britannico renunciar desde já a escala alcoolica e reformar o orçamento ja approvado, e que por consequencia eu só insistia em que se examinasse a materia, deixando-se a sua resolução para o anno proximo.

Quanto a segunda objecção, procurei mostrar com argumentos obvios que os nossos vinhos não podiam de modo algum prejudicar as producções alcoolicas inglezas.

Quanto à terceira objecção, sem pretender sustentar que ella fosse infundada, alias daria argumento a Lord Stanley para me mostrar que as minhas queixas o eram, limitei-me a fazer algumas observações sobre o direito e interesse que assistiam ao Governo Britannico de alterar a base do imposto.

Não continuou esta discussão ou conversação, por isso que Lord Stanley me declarou novamente que nada resolveria sem primeiro consultar o Chanceller do Exchequer, e que n'aquelle mesmo dia o faria, sem esperar pelo meu Memorandum. Durante a conversação Lord Stanley não deixou de me observar mais de uma vez que os economistas inglezes preferiam as reformas das pautas feitas por leis às reformas feitas por tratados. Esta opinião não podia eu combater, porque era conforme aos principios que eu professava, e que ainda ha pouco manifestei muito solemnemente na Camara dos Pares, no projecto de resposta ao discurso do Throno, que redigi na minha qualidade de Presidente da Camara.

Não insisti em obter immediatamente a declaração de que a negociação do novo Tratado teria logar em Lisboa, por isso que a proposta de negociação ainda se não podia considerar definitivamente acceita; comtudo declarei a Lord Stanley, que eu não seria o negociador.

Agora, para concluir o que tenho que fazer n'esta importante negociação, só me resta entregar o Memorandum que Lord Stanley pediu e, com a auctorisação d'este, procurar explicar a materia a Mr. Disraeli.

Em conclusão permitta-me V. Ex.ª a seguinte e muito curta observação: Obter que o Governo de Sua Magestade Britannica annua a entrar em negociação para um novo Tratado, parece-me um negocio facil; mas obter que elle renuncie á escala alcoolica parece-me, rebus sic stantibus, impossivel.

Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, em 8 de Agosto de 1866. Ill.mo e Ex.mo Sr. Conselheiro José Maria do Casal Ribeiro.

Conde de Lavradio[10].


N.° 11
Extracto de um Officio de Ministro de Portugal em Londres, a respeito de um conferencia em que tratára da questão da escala alcoolica

Ill.mo e Ex.mo Sr.

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Aproveitei a occasião para ponderar a Lord Granville a conveniencia da commissão lembrada no Officio que em 27 de Junho do corrente anno, como Ministro dos Negocios Estrangeiros, eu dirigi ao Visconde de Seisal, então Ministro de Portugal n'esta Côrte.

Lord Granville disse-me que o Visconde de Seisal lhe tinha fallado a este respeito, que elle tinha promovido uma entrevista do Visconde com Mr. Lowe, e que sentia muito dizer que, não só este seu College, mas muito especialmente Mr. Gladstone não queriam ouvir uma palavra acerca da diminuição da escala alcoolica; cedeu porem ás minhas instancias e prometteu-me promover uma conferencia com Mr. Lowe.

Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, 24 de Novembro de 1870.

Ill.mo e Ex.mo Sr. Marquez d'Avila e de Bolama.

Duque de Saldanha[11].

N.° 12
Officio do Conde de Tarouca e de D. Luiz da Cunha, Plenipotenciarios de Portugal no Congresso de Utrecht, sobre as difficuldades que surgiam para que Portugal conservasse as Praças tomadas na fronteira de Hespanha, etc.

Recebemos os despachos de v. m.es de oito de abril, que trazia Pedro de Montigni, o qual dando huma queda as portas de Pariz, lhe sobreveio huma febre, que chegou àquella côrte com grande molestia e trabalho; d'alli expediu logo com intervenção dos banqueiros portuguezes Martins de Moura hum correio, o qual nos trouxe os ditos despachos com boa diligencia, e assim se não seguiu daquelle accidente mais damno que o de augmentar a despeza da carreira. Respondendo á carta de v. m.ce, que vinha em cifra, dizemos que todo o conteúdo nella havíamos de antes entendido, e que a interpretação na memoria, que a Rainha de Inglaterra enviou a França a respeito da nossa desistencia, nos occorreu, logo que os Ministros Inglezes nol-a communicaram. Porém sem embargo de havermos então dado e repetido muitas vezes aquella explicação, não esperamos que ella aproveite. Esta seria util, quando a Rainha melhorasse de animo a respeito dos nossos interesses, e segundo ella obrigar a El-Rei de França, este lhe dissesse que nós já tinhamos cedido. Para este caso vinha bem a explicação de que nós desistiramos de pedir de novo; mas que não desistiamos das Praças, que estavam em nosso poder. Porém em quanto a Rainha não muda o pouco affecto que tem aos interesses deste Reino, e se não resolve a desgastar os castelhanos, pelo que nos toca, he util a dita interpretação, e só poderiamos melhorar no systema, se as instancias de El-Rei Nosso Senhor podessem mover a Côrte de Londres, para cujo effeito tinhamos representado que Sua Magestade podia escrever à Rainha, e nos não consta pelo despacho de v. m.ce se o mesmo Senhor seguiu este caminho. Agora se acaba de ver as poucas attenções que devemos aos inglezes, pois pelas cartas de Jose da Cunha Brochado destes dias passados, terá v. m.ce sabido o despreso, com que naquella Côrte trataram as representações e queixas da duvida com que os castelhanos embaraçaram a prorogação do armisticio, dizendo em summa ao dito José da Cunha, que já não havia rasão para semelhantes difficuldades sobre reconhecer o Duque de Anjou como Rei de Hespanha. Pelo contrario os Ministros de França nos mostraram aqui grande sentimento do procedimento da Côrte de Madrid, persuadindo-nos o escandalo, com que ficavam, e escrevendo logo a seu Amo, para que o remediasse, como v. m.ce terá visto nos nossos despachos, sem que nos propuzessem ou fizessem a menor insinuação para que se reconhecesse Filippe V, de maneira que achamos muito mais acolhimento e boa correspondencia nos mesmos francezes do que nos inglezes. As causas disto são, porque os francezes desejam agora ser reputados por sinceros nesta negociação, e os inglezes já não esperam parecel-o; antes, conforme a nossa opinião, hão de procurar presentemente bemquistar-se muito com os castelhanos para estabelecerem o seu commercio com elles, e os desunirem, se for possivel, dos francezes neste particular, o que já principiaram a conseguir, pois por hum tratado que assignou em Madrid Mylord Lexington, se estipulou que não iriam francezes a Indias de Hespanha, e ao mesmo tempo ouvimos que aos inglezes se concede mandar cada anno hum navio, a troco de que larguem Gibraltar. Destas e de outras reflexões, conducentes para a mesma conjectura, vimos a inferir que se fosse possivel melhorarmos a negociação com os castelhanos (o que não deve esperar-se) seria mais facil, em ordem à segurança da nossa barreira, alcançarmos os bons officios da França do que os de Inglaterra, e nós o entendemos tanto assim que ha dias, que nas practicas com os Ministros Francezes procuramos persuadir-lhe, que pois que já estamos pela nova paz, tam amigos como d'antes eramos; que pois que França não recebeu de nós nesta guerra damno ou prejuizo algum, e ha tanta rasão que nos consideremos naquella antiga e estreita amisade, com que nos correspondiamos; e que pois que as cessões reciprocas dos Principes da Casa de Bourbon provam que, acabada a vida de El-Rei Christianissimo, aquellas duas Corôas não hão de ser tam conformes como agora se acham, era muito do interesse de França cuidar tanto na segurança de Portugal, que não podesse jamais ser opprimido pelas forças superiores de Castella: que estavamos vendo como França encher-a de dominios e praças as varias potencias que tantas vezes tinham sido suas inimigas, e que com quanta mais rasão devia fazer-nos o beneficio de deixar-nos duas pequenas praças; que todos os dominios de Hespanha, que El-Rei Christianissimo havia dado aos mais alliados, podiam algum dia converter-se em seu prejuizo, mas que as duas praças que nos deixasse, nunca podiam prejudicar a França; que não pretendendo nós outros desfalcar a Corda de Castella em rendas, ou porções consideraveis, procuravamos fechar duas portas, e não perder a despeza que havíamos feito para fortifical-as; e que finalmente, se El-Rei Christianissimo agora por hum puro effeito de amizade e fineza comnosco nos fizesse conservar as praças de Albuquerque e Puebla, considere-se quanto ganharia ao affecto da nação portugueza, e quanto poderia interessar no consenso, applicando-se voluntaria e aflectuosamente aos portuguezes o commerciar mais com os francezes, que com as outras nações, e a dar-lhes o muito cabedal que estas nos tiram. Destas praticas e discursos feitos com a cautela conveniente temos assaz conhecido que El-Rei Christianissimo não sentiria que Portugal ficasse com a satisfação, que ultimamente pretende, mas que o não procurava, por se não malquistar com o Duque de Anjou, que se suppõe mui offendido pela renuncia da Corda de França, a que o obrigou, e assim por conclusão diremos, que nem francezes, nem inglezes, nos não hão de ajudar contra os castelhanos, mas que seria mais facil esperal-o dos saboyardos. As ratificações da prorogação do armisticio se trocaram, e a caixa, em que vem o sêllo de França, he tam bem feita, que mostra que foram necessarios dias para obrar-se, como os francezes nos tinham dito. Por evitarmos o custo, que ella faria pela posta ordinaria, pedimos a D. Henrique Henriques que se encarregasse della para a entregar a v. m.ce Este cavalheiro ouvimos que fez despeza na Côrte de Vienna por luzir no serviço de Sua Magestade, e hoje parte para Amsterdam a embarcar-se em hum navio inglez, que talvez chegará primeiro que esta carta. O Duque de Ossuna se acha ha dias nesta terra, como avisamos a v. m.ce, e sem embargo de que vindo pela posta mostrava querer concluir logo os tratados de seu amo, tem insinuado que não ha de entrar em negociações, sem que venha de Inglaterra o Marquez de Monteleon. A este esperavamos em todos os paquebotes, que agora chegaram, mas avisa-se que ainda não cuida em partir daquella Côrte, e assim está suspenso para todos os alliados tudo o que respeita á paz de Castella. Discorrendo na causa desta grande alteração, nos parece deve ser, que El-Rei de França deseja que não acabe o Congresso em quanto se não ajusta com o Imperador; e porque havendo-se fechado para esse effeito o termo do primeiro de junho, não seria decoroso nem util para os francezes alargarem espontaneamente a duração do Congresso, buscaram, para logral-a, o meio de que os castelhanos negoceiem lentamente, e neste sentido talvez retardam os Ministros de Castella a abertura das suas conferencias.

José da Cunha Brochado nos avisa, que determina dar huma memória sobre não devermos restituir os navios de Buenos Ayres, que para este effeito espera a occasião das vesperas da partida do Marquez de Monteleon. Não duvidamos que José da Cunha obraria com acerto, mas na nossa opinião, ou este negocio não devia tratar-se, sem que primeiro viesse da parte dos castelhanos, ou em chegando a fallar-se nelle formalmente e por huma memoria, devia ser em tempo de liquidar-se antes de partir o Marquez de Monteleon, a quem a Rainha poderia fallar em quanto o tinha na sua Côrte. Porém he cousa dura, que se levante esta questão e se forme em tempo, que ha de principiar o pleito em Londres, para se acabar em Utrecht, quando tudo que José da Cunha virá a conseguir da Rainha sera huma recommendação para os seus Plenipotenciarios, os quaes talvez em lugar de ajudar-nos, se porão da parte dos castelhanos, como fizeram na dos francezes; e pelo contrario, se este particular se não tivesse altercado em Londres, e nós ao concluir a paz com o castelhano formassemos o plano com artigo geral, que se põe em todos os tratados, de que as prezas feitas pela, ou por cauza della não sejam restituidas, quando os Ministros de Castella. naquelle tempo quisessem pedir a restituição dos navios, diriam os Ministros inglezes que era tarde para esta novidade, e que não haveria tempo para discutil-a.

Por esta rasão concluímos que seria melhor, ou não se fallar em Londres na materia, ou terminal-a naquella Côrte; mas pode ser que o tempo mostre que foi mais acertado o arbítrio de José da Cunha, como devemos crer da sua prudencia e capacidade, e que seja mal fundado o nosso receio.

Deus Guarde a v. m.ce Utrecht, 2 de Maio de 1713.

Conde de Tarouca.
D. Luiz da Cunha.

Sr. Diogo de Mendonça Côrte Real[12].
N.° 13
Carta (justificativa) do Marquez de Palmella a S. M. I. o Duque de Bragança, respondendo ao reparo de ter exorbitado das suas Instrucções

Londres, 24 de Janeiro de 1833.

Senhor

Ainda mal convalescido da grave molestia que soffri, aproveitei hoje o primeiro momento em que me foi possivel sahir da cama para ir a casa de Lord Palmerston, e de officio participo a Vossa Magestade Imperial, pela Secretaria d'Estado dos Negocios Estrangeiros, o que passei com o dito Ministro. N'um dos dias em que me achava mais doente recebi a Carta de 25 de Dezembro que Vossa Magestade Imperial me fez a honra de me dirigir, e cujo conteúdo me amigiu profundamente. Vejo que Vossa Magestade Imperial desapprovava as diligencias que eu tinha feito para conseguir uma suspensão de armas por meio de uma proposta do Governo Britannico ao Senhor D. Miguel; esta proposta porém, que só lembrei de palavra, e nunca solicitei officialmente, nem por escripto, felizmente não teve logar, e Vossa Magestade Imperial terá a bondade de observar que eu só me lembrei d'este recurso depois de haver reconhecido que era impossivel conseguir do Governo Inglez que impozesse o armisticio.

A Nota que dirigi a Lord Palmerston, e que Vossa Magestade Imperial ainda não tinha visto quando escreveu a sobredicta Carta, é, segundo creio, fundada inteiramente sobre as minhas instrucções, e portanto nunca se poderá lançar em rosto, nem a Vossa Magestade Imperial, nem ao Governo, que solicilasse o armisticio, e que mostrasse ao Governo Inglez, como Vossa Magcstade Imperial diz, a nossa fraqueza. Entretanto é certo que Vossa Magestade Imperial na decisão por escripto que deu sobre a proposta do seu Conselho, dizia que a suspensão de armas para nos salvar devia ter logar no praso de trinta dias da data da minha escripta (16 de Novembro), e parece-me portanto não se dever levar a mal que vendo eu que não havia esperança de induzir este Governo a tomar aquella medida que importava, que implicaria, o constrangimento e uso da força, tentasse conseguir o mesmo fim por um meio menos peremptorio, sem comtudo fazer esta proposição por escripto, nem comprometter a dignidade de Vossa Magestade Imperial.

Emquanto ao resultado da nossa missão seja-me licito dizer que elle não é tão nullo como o querem representar, postoque não seja tão decisivo como eu ardentemente desejava. A embaixada de Sir Stratford Canning é o primeiro passo directo e ostensivo que o Governo lnglez tem dado a favor da causa que Vossa Magestade Imperial tão nobremente defende. Este passo não poderá deixar de produzir resultados, e posso assegurar a Vossa Magestade Imperial que os inimigos da causa da Rainha fazem a esse respeito justiça aos Plenipotenciarios de Vossa Magestade Imperial e estão cheios de confusão e temor pelo resultado d'esta negociação.

A Nota de Lord Palmerston, em resposta á minha, tambem me parece ser o primeiro documento omeial, em que por escripto e explicitamente se reconhece o direito da Rainha, e esta primeira concessão deverá, se formos auxiliados pelas circumstaneias, conduzira consequencias mais favoraveis. Finalmente os esforços que os meus Collegas e eu temos feito para conservar o quasi submersa barco do nosso credito financeiro, a enorme responsabilidade que tomamos para fazer face aos eontinuados saques sobre a casa Carbonell, cuja bancarota traria após de s¡ provavelmente a ruina da causa, tudo isto me anima a lisongear-me de que não tem sido inutil a nossa vinda a Londres.

Fiado não só na generosidade da alma de Vossa Magestade Imperial, mas tambem na sua justiça e discernimento, nada mais acrescentarei senão que tenho feito e continuarei a fazer em consciencia tudo quanto me parecer necessario e estiver ao meu alcance para sustentar a causa que tenho servido; e que espero conservar-me em tudo o caso, como até agora felizmente me conservo, isento de re- morsos e coberente com os principios, que invariavelmente me teem dirigido no meio de tantas vicissitudes e agitações politicas. Desculpe Vossa Magestade Imperial este desafogo, e acredite com a sua natural bondade nos sinceros votos que faço pela sua conservação, pela sua gloria, e pela sua felicidade.

De Vossa Magestade Imperial

subdito respeitoso e obrigadissimo


Marquez de Palmella[13].

N.° 14
Extracto de um Officio do Visconde da Carreira, Ministro de Portugal em Paris, nomeado em missão especial para Roma com o fim de negociar o restabelecimento das relações diplomaticas entre a Corte de Lisboa e a Curia, no qual trata do ponto das suas Instrucções, relativo ao reconhecimento dos Bispos apresentados por D. Miguel

Ill.mo e Ex.mo Sr.

1.° Tive a honra de receber os Despachos de V. Ex.ª N.os 1 e 2, relativos aos negocios de Roma, a que me cumpre responder.

2.° Ainda que a estreiteza do tempo me não permittiu de tomar ainda cabal conhecimento das instrucções que V. Ex.ª me passou no primeiro d'aquelles Despachos, o dos documentos annexos, fiquei todavia convencido de que o nosso Governo persiste em não querer reconhecer os Bispos nomeados pelo usurpador senão como «Bispos da Igreja Universal,» e não como pertencentes a dioceses determinadas d'esse reino. Ora já tive a honra de dizer a V. Ex.ª que o Santo Padre se não contenta d'este reconhecimento restricto, e que sem começar por ceder n'esta parte as pretenções da Santa Sé, todas as nossas tentativas de reconciliação com ella serão baldadas e inuteis. Tomarei pois a liberdade de fazer a este respeito algumas observações, que porventura não serão isentas de erro, pois não sendo eu canonista (como melhor cumpriria para tratar d'esta negociação), não sera de extranhar a minha ignorancia em taes assumptos.

3.° Segundo creio, a dignidade e denominação de Bispos suppõe necessariamente uma diocese, pois que esta se designa mesmo aos Bispos in partibus. Existem sem duvida dignitarios da Igreja que gosam de prerogativas de Bispos, mas não do titulo, por isso mesmo que não teem diocese. Ora se isto é assim, a restricção do nosso Governo de considerar os Bispos de D. Miguel como não tendo diocese, reconhecendo todavia a validade da instituição canonica d'elles como Bispos da Igreja Universal, não me parece ter cabimento.

4.° Em segundo logar o Papa, mesmo nos seus Estados, não se julga auctorisado a despojar de suas dioceses os Bispos que n'ellas instituiu.

5.° Em França não pôde Napoleão conseguir de Pio VII a destituição dos antigos Bispos, e durante a restauração o mesmo Papa defendeu os Bispos chamados concordatarios, contra o Governo, sendo este obrigado a negociar e tratar com ellcs; mas dois, segundo creio, e por certo o Bispo de Angoulème, nunca quiseram ceder, e conservaram os seus bispados até à sua morte.

6.° Os exemplares citados no documento «Factos e lembranças», longe de provarem contra, corroboram esta pratica, mesmo a de 1440, não obstante ser anterior ao Concilio de Trento e as regras n'elle estabelecidas.

7.° Sem duvida tem o Governo toda a razão de se queixar da precipitação do Papa no reconhecimento do usurpador; mas uma vez praticado este acto injusto, desnecessario e impolitico, a instituição dos Bispos de D. Miguel era uma consequencia inevitavel e regular. Quanto porém ao receio do Governo, de que do reconhecimento amplo e sem restricção dos Bispos de D. Miguel resulte o do reconhecimento da legitimidade do usurpador e da sua autoridade, permitta-me V. Ex.ª de lhe dizer com todo o respeito, que o julgo sem fundamento, posto que partilhe inteiramente o sentimento delicado que o dieta. O reconhecimento dos factos existentes na ordem civil ou politica de um Estado, não implica de modo algum o da origem d'elles, ou da legalidade de suas causas, pois de outra maneira jamais poderiam as guerras civis terminar-se por convenios, cujo objecto principal é de ordinaria a conservação e o reconhecimento de causas originadas da guerra e a ella devidas. O ultimo exemplo bem moderno e o da convenção de Vergara, pelo qual a Rainha de Hespanha reconheceu e garantiu os postos conferidos por D. Carlos, e, o que mais é, ganhos na guerra contra a mesma Rainha. sem que ninguem ainda pretendesse que d'ahi resultava o reconhecimento dos direitos do pretendente.

8.° Como quer que seja, porém, o reconhecimento dos Bispos de D. Miguel, completo e sem restricção, é exigido pelo Papa como condição sine qua non para entrar comnosco em negociação; e portanto, se o Governo se não resolver a fazer esta concessão, é inutil a minha ida a Roma, e nem eu a poderia emprehender sem prejuizo dos interesses do Estado e da minha propria reputação. Eu acceitei a commissão de ir a Roma, com que Sua Magestade se dignou honrar-me, na esperança de poder fazer-lhe algum serviço, porque considerei a dita commissão mais como política que religiosa; porisso, apesar do sentimento da minha insufficiencia, me lisonjeio d'aquella esperança. Se porém a minha missão se transformar em uma lucta theologica, é do meu deve declarar a V. Ex.ª que para tal guerra me faltam as armas, e que n'ella facilmente seria eu vencido, com grave damno da causa, cuja defeza me seria commettida.

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Deus Guarde a V. Ex.ª Paris, 30 de Março de 1840.

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Sr. Conde de Villa Real.

Visconde da Carreira[14].

N.° 15
Officio do Visconde da Carreira, em missão especial em Roma, remettendo um Breve, e fazendo diversas ponderações ácerca da questão dos Bispos.

Ill.mo e Ex.mo Sr. N.° 18

4.° Tenho a honra de remetter a V. Ex.ª, acompanhado da competente copia, o Breve epistolar que o Santo Padre dirige a Sua Magestade a Rainha, em resposta a Credencial que lhe entreguei. Este Breve veiu-me remettido oom uma Nota official do Cardeal Secretario d'Estado, a que respondi como me cumpria, não mandando a V. Ex.ª copias d'estas peças por não serem de importancia.

2.° Permitta-me V. Ex.ª de lhe reiterar a indicação constante do § 3.° do meu Officio n.° 14. Com effeito cada vez me persuado mais da necessidade e utilidade, para facilitar a prompta e boa decisão dos negocios que restam a tratar com a Santa Sé, do immediato restabelecimento em suas dioceses, dos Bispos admittidos por sua Magestade ao exercicio de suas funcções.

3.° Convirá tambem para o mesmo fim insinuar aos ditos Bispos que hajam elles de participar da sua parte ao Governo Pontificio a effectiva restituição a suas funcções logo que esta se verifique.

4.° Com o mesmo intuito será mui proveitoso que os Vigarios Capitulares ou os Governadores dos bispados se abstenham de conferir as dispensas matrimoniaes, o que alias sera uma especie de reciprocidade da providencia já. tornada pelo GoVerno Poutiiicio, de suspender a expedição clandestina de Breves e dispensas, que se fez sempre para esse reino depois da interrupção das communicações regulares com a Santa Sé.

Beijo com o devido acatamento as augustas mãos de Suas Magestades.

Deus Guarde a V. Ex.ª Roma, em 28 de Maio de 1841. Ill.mo e Ex.mo Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães.

Visconde da Carreira[15].

N.° 16
Officio do Ministro de Portugal em Londres, sobmettendo dous meios para a decisão que embaraçava o andamento da negociação relativa à escala alcoolica, a fim de ser adoptado um dos mesmos

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Tenho a honra de accusar a recepção do Despacho que V. Ex.ª foi servido dirigir-me com data de 7 do mez corrente.

Li com toda a attenção devida a tão importante Despacho, o que V. Ex.ª pondera n'elle, e tenho meditado, nomeadamente, sobre o meio mais eñicaz para dar cumprimento ás ordens de V. Ex.ª no tocante a propôr a este Governo a nomeação de uma Commissão, composta de homens competentes e isentos de preconceitos, para examinar a questão do saber se a redacção dos direitos sobre os vinhos que contenham até 36° ou 38° de espirito de prova, póde ou não comprometter a receita proveniente do excise.

Ha dois meios de pôr em pratica o pensamento de V. Exa:

1.° Uma proposta feita directamente ao Governo Britannico;

2.° Um inquerito parlamentar, que se poderia conseguir, talvez, pedindo-se confidencialmente a um dos Membros do Parlamento que se tem mostrado favoravel aos nossos interesses de fazer uma moção n'este sentido.

A vantagem de uma proposta directa ao Governo Britannico é que, sendo rejeitada, teriamos ainda o recurso do inquerito parlamentar, ao passo que, recusado este pelo Parlamento, é quasi certo que o Governo não annuiria a Commissão.

Por outro lado a vantagem de tratamos unicamente de obter o inquerito, é que poderia ser votado n'esta sessão, emquanto que, se tivessemos de aguardar a resposta do Governo sobre a nomeação de uma Commissão, não é de crer que, sendo a resposta negativa, houvesse tempo de ser votado o inquerito na actual sessão, que se ha de encerrar provavelmente nos fins de Julho.

Em vista do que tenho a honra de expor a V. Ex.ª, parece-me que a preferencia entre estes dois meios, depende da urgencia que V. Ex.ª liga á questão. Se não urge que haja uma decisão (refiro-me aqui tão sómente quanto ao estudo da materia por uma Commissão do Governo ou por um inquerito parlamentar) este anno, então parece-me mais seguro o meio indicado em primeiro logar, que de mais a mais, é mais conforme as ordens de V. Ex.ª Se porem V. Ex.ª não deseja ver demorado o estudo em questão, parece-me que seria melhor tratar sómente de obter o inquerito parlamentar, tanto mais que receio que Mr. Lowe se ba de oppor á nomeação de uma Commissão.

Se todavia a nomeação d'esta porventura se conseguisse, tomo a respeitosa liberdade de suggerir a V. Ex.ª que seria conveniente tratar de obter do Governo Britannico que a mesma Commissão seja composta não sómente de Inglezes, mas tambem de algum Portuguez de reconhecida competencia na materia, tanto pratica como scientifica, que viria a Londres em commissão, verbi gratia, uma das auctoridades ou professores da nossa Associação Agricola.

Digno-se V. Ex.ª tomar em consideração o que acabo de expor, e communicar-me a sua decisão em relação a tão importante assumpto.

Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, 18 de Maio de 1870.

Ill.mo e Ex.mo Sr. Conselheiro José da Silva Mendes Leal..

Visconde de Seisal[16].


N.° 17
Extracto de um Officio do Marquez de Palmella, com agradecimentos e felicitações

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Chegaram successivamente dois paquetes de Lisboa com as malas de 8 e 13 de Janeiro, e pelo barco de vapor em que vinha de passageiro J. Freire Salazar tivemos noticias d'essa Capital até 19.

Tive a honra de receber os Despachos de V. Ex.ª com os N.os 31 a 35, e agradeço infinitamente as noticias que n'elles se conteem, as quaes me enchem de jubilo, não só porque vejo dissipadas as forças dos rebeldes, como por se ter conseguido esse resultado sem a elffetiva cooperação das bayonetas estrangeiras, havendo estas tão sómente servido para dar animo aos que por timidez se não declaravam. Agora póde o Governo contar com um firme apoio, e desenvolver toda a energia que necessariamente lhe faltava desde o anno de 1820. Alguns castigos justos e severos, um systema de leis e medidas administrativas, sabiamente concertado com as Côrtes, reunirão a grande maioria dos Portuguezes debaixo da egide tutelar da Carta Constitucional.

Queira V. Ex.ª em meu nome beijar a generosa Mão da Serenissima Senhora Infanta Regente, a quem tanto deve a Nação Portugueza, e felicital-a em meu nome pelo lustre que resulta á sua Regencia do feliz successo das nossas tropas.

Deus Guarde a V. Ex.ª Brighton, 2 de Fevereiro de 1827.

Ill.mo e Ex.mo Sr. D. Francisco de Almeida.

Marquez de Palmella[17].


N.° 18
Officio do mesmo, com pesames pela morte da Imperatriz do Brazil

Ill.mo e Ex.mo Sr.

Com sentimento de consternação sincera me cumpre remetter a V. Ex.ª, para que seja presente á Serenissima Senhora Infante Regente, a copia inclusa de uma carta que n'este momento recebo do Sub-Secretario d'Estado Lord Howard de Walden, em que se contém a funesta e inesperada noticia do fallecimento de Sua Magestade a Imperatriz do Brasil e Rainha minha Senhora, no dia 11 de Dezembro. Esta noticia foi trazida por uma embarcação de guerra Ingleza, que chegou a Cork a 24 do corrente.

Não constam por emquanto os detalhes d'este triste acontecimento, e só se sabia que Sua Magestade já ficava gravemente incommodada quando sahiu do Rio o ultimo paquete.

Peço a V. Exa queira beijar em meu nome a Augusta Mão da Se- renissima Senhora Infanta Regente e demais pessoas da Real Familia, em demonstração da profunda magoa de que não posso deixar de estar penetrado por tão luctuosa occasião, attendendo a irreparavel perda que experimenta El-Rei meu Senhor, a qual tambem sera sentida por toda a sua Augusta Familia, muito especialmente pela Senhora D. Maria II, em quem Portugal tem sempre fitos os olhos com tanto interesse e anciedade.

Deus Guarde a V. Ex.ª Londres, 28 de Fevereiro de 1827.

Ill.mo e Ex.mo Sr. D. Francisco de Almeida.

Marquez de Palmella[18].



§ III
Correspondencia com o Governo territorial

As communicações escriptas do Agente Diplomatico para o Governo da residencia, são passadas em forma de Cartas, de Notas ou de Memorias.

Cartas e Notas – Os caracteres essenciaes da fórma epistolar, são: fallar de si, quem escreve, na primeira pessoa, applicando ao destinatario a segunda pessoa; e ter tratamento, introducção, remate formal, protestações e as formulas de cortezia no fim, e tambem no corpo do documento quando o contexto o pede.

Os caracteres da Nota são: o emprego da terceira pessoa tanto para quem escreve, como para o destinatario; ou applicar-se a este a segunda pessoa, mas fallando de si na terceira (esta ultima fórma é menos vulgar; vai um exemplo sob N.° 29). É tambem admissível servir-se da primeira pessoa, mas n'este caso deve-se applicar a terceira pessoa ao destinatario; esta forma é porém ainda menos em uso do que a ultima que mencionámos. Finalmente, nas Notas não costuma haver formulas de tratamento ou introducção; ha menos rigor nas expressões de cortezia, observando-se estas de ordinaria tão sómente no principio e no final.

  1. Rebello da Silva, Corp. Dipl. Port., T. I pag. 325 e segg.
  2. Podem-se consultar com proveito os instructivos e bem elaborados Relatorios do Sr. Visconde de San Januario, escriptos no decurso e no fim da sua Missão Especial ás Republicas Americanas. Vejam-se os Livros Brancos de 1879 (pagg. 73 a 236) e de 1880 (pagg. 105 a 338). Appareceu subsequentemente um interessante volume intitulado: Missão do Visconde de San Januario nas Republicas da America do Sul — 1878 e 1879 — Lisboa, Imprensa Nacional — Em formato de 8.° grande. — 1880.
  3. Sr. Reis e Vasconcellos, Despachos etc. do Duque de Palmella, Tom. III pag. 15. — 0 resto do Officio trata de outros negocios.
  4. Sr. Biker, Suppl. etc., T. Xl p. 529.
  5. Sr. Biker, Suppl. T. XII p. 312. — A pag. 321 acha-se outro relatorio da mesma conferencia, feito por José Manuel Pinto de Sousa.
  6. Sr. Biker, Suppl. T. XVI p. 397; o mappa da repartição está annexo. — A respeito do assumpto deste Offiicio, veja-se o modelo N.° 20.
  7. Sr. Reis e Vasconcellos, Despachos do Duque de Palmella, Tom. III, p. 341.
  8. Sr. Biker, Suppl. T. XXIX p. 342.
  9. Sr. Biker, Suppl. T. XXX p. 203.
  10. Livro Branco de 1872, tom. III p. 16.
  11. Livro Branco de 1872, tom. III p. 309.
  12. Sr Biker, Suppl. T. X p. 237.
  13. Sr. Reis e Vasconcellos, Despachos do Duque de Palmella, Tom. IV pag. 861 — Entre os exemplos de Officios justificativos, vejam-se os do Visconde da Carreira para Rodrigo da Fonseca Magalhaes, dat. de Roma, 28 set. 1840, e 8 julho 1841, no Suppl. do Sr. Biker, Tom. XXX Part. 2 pagg. 102 e 174.
  14. Sr. Biker, Supplem. á Coll. de Tratados, Tom. XXX Part. II pag. 32.
  15. Sr. Biker, Suppl. T. XXX P. II p. 162.
  16. Livro Branco de 1872, tom. III p. 302.
  17. Sr. Reis e Vasconcellos, Despachos do Duque de Palmella, T. III p. 43.— No resto do Officio participam-se diversas noticias.
  18. Ibid. T. III p. 69.