Que mundo? que mundo é este?
Do fundo seio d’est’alma
Eu vejo... que fria calma
Dos humanos na fereza!
Vejo o livre feito escravo
Pelas leis da prepotencia;
Vejo a riqueza em demencia
Postergando a natureza.

Vejo o vicio enthronisado;
Vejo a virtude cahida,
E de corôas cingida
A estatua fria do mal;
Vejo os traidores em chusma
Vendendo as almas impuras,
Remexendo as sepulturas
Por preço d’aureo metal.

Vejo fidalgos d’estopa,
Ostentando os seus brasoens,
Feio enxerto de dobroens
Nos troncos da fidalguia;
Vejo este mundo ás avessas,
Seguindo fatal derrota,
Em quanto farfante arrota
Podres grandezas de um dia!

Bronzea estatua—o rico surdo
Aos tristes ais da pobreza
Amostra com vil rudeza
Uma burra aferrolhada;
Manequim de estupidez
No orgulho vão da cubiça
Tem por divisa sediça
—Alguns vintens e mais nada.

O poder é só dos Cresos,
A sciencia é de encommenda;
Sem capital e sem renda
Com pouco peso—o que val?
Talentos--palavroens ócos!—
Que nunca deixaram saldo;
Não ha substancia no caldo
Que não tempera o metal!

Sisudez... que feia masc’ra!
Isso é peste, isso é veneno!
Si é pobre, nasceu pequeno,
Quem aspira a posição?!
Não vê que é grande toleima
Querer subir sem moeda,
Pois não escapa da queda
Quem teve um leito no chão!

Que se impertigue enfunado
Algum sandeu que traz marca. . .

Reparem que a bisca embarca
Que leva á véla o batel!
E o povo que o vê fulgindo
Com lantejoulas brilhantes
Não olha p’ra o que foi dantes,
E nem lhe enxerga o xarel!

E o mais é que zune e grasna
O patéta aparvalhado !
Parece que é deputado
Os Ministros fulminando;
Grita, berra, espenoteia,
Calumnia, faz intriga,
Mas logo falla a barriga,
E vai a têta chupando !

Digam lá o que quizerem,
Falle embora o maldizente;
Eu bem sei que tudo mente,
Sei que o mundo tem razão;
Si eu tivesse na algibeira
Alguns cobres, que ventura!—
Mudava o nome, a figura,
Ficava logo—Barão!