MOTE

Que pretende a fermosura
Cuidando que se eterniza,
Se viu a minha Belisa
Ir parar na sepultura?

GLOSA

Já a meu sentir e a meu ver
a que ontem, a meu cegar,
vivia para matar
morre hoje para viver.
Esta que a seu parecer
era uma viva pintura
já de morte cor figura
na minha mágoa a contemplo.
Não sei com tão claro exemplo
que pretende a fermosura.

Na vivente primavera,
quando mais disposta a vi,
por maravilha entendi
que perpétua ser pudera;
foi engano e foi quimera
da minha afeição precisa.
E quanto esta morte avisa
no desengano que dá
a toda a que em flor está
cuidando que se eterniza!

Hoje arrancada por si
no exemplo que em folha dá
a todas dizendo está:
aprended flores de mi.
Eu com lágrimas o li
e entendo no bem que avisa
que a que mais se fertiliza
dela só pode aprender,
porque não tem mais que ver
se viu a minha Belisa.

Alerta, pois, divindades
desmentidas em mulheres,
que caducam por prazeres
na melhor flor das idades.
As pompas e as majestades
que o mundo vos assegura
são mentiras e é loucura
não crer na mais verdadeira
que é, acabando a carreira,
ir parar na sepultura.