O homem de espirito quando, chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorisado com a sua ventura, trata antes de saber por que é feliz. Pergunta porque e como é amado; se, para uma amante, é elle uma necessidade, ou um passatempo; se ella cedeu a um amor invencivel; emfim, se é elle amado por si mesmo. Crêa elle proprio e com engenho as suas magoas e cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flôres, sentia-se incommodado pela dobra de uma folha de rosa. N'um olhar, n'uma palavra, n'um gesto, acha elle mil nuanças imperceptiveis, desde que se trata de interpretal-as contra si. Esquece os encomios que levemente o tocam, para lembrar-se sómente de uma observação feita ao menor dos seus defeitos e que bastante o tortura. Mas, em compensação desses tormentos, ha no seu amor tanto encanto e delicias! Como estuda, como extrai, como saborêa as volupias mais fugitivas até a ultima essencia! Como a sua sensibilidade especial sabe descobrir o encanto das criancices frivolas, dos invisiveis attractivos, dos nadas adoraveis!

O tolo é um amante sempre contente e tranqüilo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra á mulher a quem dedica os seus effluvios. Não lhe deve felicidade; elle é que lh'a dá e como tudo o leva á exagerar o beneficio, não lhe vem á idéa que se possa ter para com elle ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saborea ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é elle proprio o objecto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para elle não é mais que um entretenimento que passa, os ultimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-n'o pela saciedade.