O bom Democrito ria
Do que a nós nos causa dor;
Elle mui bem o entendia:
Vamos nós tambem, Senhor,
Fazer o que elle fazia.
(N. Tolentino)



Quem bate á porta?
Não tenho pressa;
Diga primeiro
Que lei professa?

—Eu fui menino do choro,
E me chamo Thomazinho;
Do Thesouro fui continuo,
Jogo á noute o pacauzinho

Na antiga fechadura andou trez vezes
Mechendo na lingueta a velha chave;
A porta escancarou-se e teve ingresso
Nariz de talha-mar comprido e grave.

Cortando o leve espaço a penca ingente
Metade do salão já tinha entrado;
Porém de Thomazinho o corpo inoto
Nas quinas dos umbraes era esperado.

Do curvado esporão a ponta esguia
Já da meza apoiou-se sobre o raz,
E no vasto salão notaram todos
O nariz carregando o seu Thomaz.

Na extrema da maromba narigada
Qual veloce arlequim suspenso andava,
Com pernas de vareta e pés remantes
O nosso grande heroe, que assim fallava :

Entregue da missiva lisonjeira,
Que fez-me de varão velha gaiteira,
A caminho atirei-me preçuroso
Por cumprir vossas ordens respeitoso.

Tocaste-me na tecla, meu Diabo,
Que tudo, d’esta vez, vai ás do cabo.
Agora a tratantice leva a breca
A golpes de thesoura e de rebeca.
E como não costumo ser rogado
Sem exordio começo o meu recado.

Da Sé se-escova a torre e se-prepara,
(Limpeza n’esta Igreja! é cousa rara !...
O gallo de vermelho foi pintado
Em honra do Doutor, que ahi vem armado

Co'a vava da justiça altipotente,
Que a trote enchotará cascuda gente.
Os previos tendo á frente o meião-chefe
De blusa rabicundá, a magarefe,
Promettem de fazer tanta proesa
Que d’elles se-horrorisa a natureza.

A empreza do Macedo e do Augusto
Da Policia feroz já não tem susto ;
Sò tratam de chuchar na teta grossa,
Tomando a Capital em erma roça.

O velho repertorio está na sova,
Sem que mais ninguem veja peça nova;
A orchestra poz-se ao fresco, por cautela,
Temendo pateada ou chorumela ;
E a empreza que as mamatas tem á vista
Encaixou no scenario um pianista,
Que suppondo tambem ter sorte egual
Na tangente se-poz, sem dar signal.

O templo se-fechou dos disparates,
Tabernaculo soberbo dos orates,
Em que os genios altivos darão fim
Por honra do Macedo e do Quartim;
E em quanto a subvenção corre veloz,
Vão todos entoando o—Venha a nós—.

Partiram sempre alfim os voluntarios
Deixando os taberneiros todos varíos,
De braços encruzados nos balcoens
Banzando sobre as grandes fintações!...
Partiram sem foguete, sem estalo,
Sem flores, sem louvores, sem badalo !

Quem diria que a forte, a brava gente
Daqui se-partiria descontente!

Levando dos Paulistas tão famosos
Huns adeuses apenas desdentosos !...
Depois de tanto arrojo, tanto orgulho,
Tão gelada frieza causa engulho.

Com terrível aspecto de guerreiro
Ia na frente o Pacca prazenteiro,
A commenda espiando de soslaio
Com medo que lhe desse algum desmaio.
Ao lado do Major Dias tão contente
Qual no valle se amostra o lyrio algente.

Ovante o batalhão marchava atraz
Com garbo que aos heroes sómente apraz.
Nos sabres reluzentes se-miravam
Do sol os fulvos raios que brilhavam ;
Marchando a gente forte ia cadente
Com gesto que aterrava de imponente.

Mais atraz o Felicio exasperado
Por querer o contracto e ser logrado,
Bradava com furor contra a maranha
Dos carros de transporte com tal sanha,
Que a turba macedina atarantada
Já de todos fugia amedrontada.

E em quanto este berrava furioso
O Macedo sorria de gostoso !...
Ataca, Macedinho, ataca a geito,
Deixa embora gritar fero o despeito.
Tu és maior que todos na patranha,
E o mundo só pertence a quem apanha.

Emfim quero dizer que a tropa alegre
Sorria de prazer com toda a gente;
E eu que ás affeiçoens me curvo brando
Dos olhos despejei a grossa enchente.

(Publicada no Diabo Coxo de 30