O bacharel Plácido encarou o major, sem compreender a razão por que ficara ali, quando o outro fora embora. Não tardou que o major o esclarecesse. Logo que o sr. Pires saiu da sala, disse ele:
— Queira agora acompanhar-me à casa do capitão Soares.
— Acompanhá-lo! exclamou o bacharel mais surpreendido do que se lhe caísse o nariz no lenço de tabaco.
— Sim, senhor.
— Que pretende fazer?
— Oh! nada que o deva assustar. Compreende que se trata de uma sobrinha, e que um tio tem necessidade de chegar à origem de semelhante boato. Não crimino os que o repetiram, mas quero haver-me com o que o inventou.
O bacharel recalcitrou: a sua pachorra dava mil razões para demonstrar que sair de casa às ave-marias para ir a Mata-porcos era um absurdo. A nada atendia o major Gouveia, e com o tom intimador que lhe era peculiar, antes intimava do que persuadia o gordo bacharel.
— Mas há de confessar que é longe, observou este.
— Não seja essa a dúvida, acudiu o outro; mande chamar um carro que eu pago.
O bacharel Plácido coçou a orelha, deu três passos na sala, suspendeu a barriga e sentou-se.
— Então? disse o major ao cabo de algum tempo de silêncio.
— Refleti, disse o bacharel; é melhor irmos a pé; eu jantei há pouco e preciso digerir. Vamos a pé...
— Bem, estou às suas ordens.
O bacharel arrastou a sua pessoa até a alcova, enquanto o major, com as mãos nas costas, passeava na sala meditando e fazendo, a espaços, um gesto de impaciência.
Gastou o bacharel cerca de vinte e cinco minutos em preparar a sua pessoa, e saiu enfim à sala, quando o major ia já tocar a campainha para chamar alguém.
— Pronto?
— Pronto.
— Vamos!
— Deus vá conosco.
Saíram os dois na direção de Mata-porcos.
Se uma pipa andasse seria o bacharel Plácido; já porque a gordura não lho consentia, já porque desejara pregar uma peça ao importuno, o bacharel não ia sequer com passo de gente. Não andava: arrastava-se. De quando em quando parava, respirava e bufava; depois seguia vagarosamente o caminho.
Com este era impossível o major empregar o sistema de reboque que tão bom efeito teve com Luís da Costa. Ainda que o quisesse obrigar a andar era impossível, porque ninguém arrasta oito arrobas com a simples força do braço.
Tudo isto punha o major em apuros. Se visse passar um carro, tudo estava acabado, porque o bacharel não resistiria ao seu convite intimativo; mas os carros tinham-se apostado para não passar ali, ao menos vazios, e só de longe em longe um tílburi vago convidava, a passo lento, os fregueses.
O resultado de tudo isto foi que, só às oito horas, chegaram os dois à casa do capitão Soares. O bacharel respirou à larga, enquanto o major batia palmas na escada.
— Quem é? perguntou uma voz açucarada.
— O sr. capitão? disse o major Gouveia.
— Eu não sei se já saiu, respondeu a voz; vou ver.
Foi ver, enquanto o major limpava a testa e se preparava para tudo o que pudesse sair de semelhante embrulhada. A voz não voltou senão dali a oito minutos, para perguntar com toda a gentileza:
— O senhor quem é?
— Diga que é o bacharel Plácido, acudiu o indivíduo deste nome, que ansiava por arrumar a católica pessoa em cima de algum sofá.
A voz foi dar a resposta e daí a dois minutos voltou a dizer que o bacharel Plácido podia subir.
Subiram os dois.
O capitão estava na sala e veio receber à porta o bacharel e o major. A este conhecia também, mas eram apenas cumprimentos de chapéu.
— Queiram sentar-se.
Sentaram-se.