"Um marido, ainda mau, é sempre melhor que o melhor dos sonhos.
A máxima não era idealista; Maria Benedita protestou contra ela. Pois não era melhor sonhar que chorar? Os sonhos acabam ou alteram-se, enquanto que os maus maridos podem viver muito. — A senhora diz isso, concluiu Maria Benedita, porque Deus lhe destinou um anjo... Olhe, lá vem ele.
— Deixe estar que há de ter também o seu anjo; conheço um magnífico para você; todos os anjos me procuram.
Teófilo, marido de D. Fernanda, que as vira a distância, veio ter com elas; trazia na mão um diário amarrotado. Não saudou a hóspede; foi direito à mulher.
— Você quer saber o que me fizeram, Nanã? disse ele com os dentes cerrados. Saiu hoje o meu discurso do dia 5. Veja esta frase; eu tinha dito: Na dúvida, abstém-te, é o conselho do sábio. E puseram: Na dívida abstém-te... É insuportável! Nota que tratava-se justamente de um crédito do Ministério da Marinha, alegando-se no debate que muitas despesas estavam feitas. De modo que pode parecer chulice da minha parte; é como se aconselhasse o calote. Em todo caso, é disparate.
— Mas você não leu as provas?
— Li, mas o autor é o menos apto para as ler bem. Na dívida abstém-te, continuou ele com os olhos na folha. E bufando: — Isto só com...
Estava consternado. Era homem de talento, de gravidade e de trabalho; mas, naquele instante, todas as grandes obras, os mais temerosos problemas, as batalhas mais decisivas, as revoluções mais profundas, o sol e a lua, e todas as constelações, e todas as alimárias, e todas as gerações humanas, valiam menos do que a troca de um u por um i. Maria Benedita olhava para ele sem entendê-lo. Cuidava padecer a maior tristura; mas ali estava outra tão grande como a sua, e muito mais aflitiva. Assim, a melancolia roaz de uma pobre criatura era tanto como um erro tipográfico. Teófilo, que só então deu por ela, estendeu-lhe a mão; estava fria. Ninguém finge as mãos frias; devia padecer deveras. Instantes depois, atirou a folha ao chão, com um gesto violento, e foi-se embora.
— Mas, Teófilo, emenda-se amanhã, disse-lhe D. Fernanda, levantando-se.
Teófilo, sem voltar atrás, deu de ombros, desesperado. A mulher correu a ele; a amiga seguiu-a espantada. Ficou só o banco, já agora livre delas, recebendo em cheio os raios do sol, que não ama nem faz discursos. D. Fernanda levou o marido para um gabinete, e, à força de beijos, consolou-o daquele golpe. Ao almoço, já ele sorria, ainda que de um sorriso pálido; a mulher, para desviá-lo da preocupação, aventou o plano de casar Maria Benedita, e havia de ser com um deputado, se existisse na Câmara algum solteiro, qualquer que fosse a opinião. Podia ser governista, oposicionista, ambas as coisas, ou nada, — contanto que fosse marido. Sobre este tema fez algumas reflexões, vivas, lépidas, que encheram o tempo e destinavam-se a matar a lembrança da troca de letras. Pia criatura! Teófilo, entendendo a mulher, ia-se fazendo alegre, e concordava na conveniência de casar Maria Benedita.
— O pior, acudiu a mulher olhando para a amiga, é que ela ama a alguém, cujo nome não quer dizer.
— Nem é preciso, atalhou o marido enxugando os beiços; vê-se bem que ela gosta de teu primo.