— Fiquei com o joelho dorido, disse ela entrando em casa e coxeando.
— Deixa ver.
No quarto de vestir, Sofia levantou o pé sobre um banquinho e mostrou ao marido o joelho pisado; inchara um pouco, muito pouco, mas tocando-lhe, fazia-a gemer. Palha, não querendo machucá-la, chegou-lhe a pontinha dos beiços apenas.
— Fiquei descomposta quando caí?
— Não. Pois com um vestido tão comprido... Mal se pôde ver o bico do pé. Não houve nada, acredita.
— Jura que não?
— Que desconfiada que você é, Sofia! Juro por tudo o que há mais sagrado, pela luz que me alumia, por Deus Nosso Senhor. Estás satisfeita?
Sofia ia cobrindo o joelho.
— Deixa ver outra vez. Creio que não será nada maior; bota um pouco de qualquer coisa. Manda perguntar à botica.
— Está bom, deixa-me ir despir, disse ela forcejando por descer o vestido.
Mas o Palha baixara os olhos do joelho até ao resto da perna, onde pegava com o cano da bota. De feito, era um belo trecho da natureza. A meia de seda mostrava a perfeição do contorno. Palha, por graça, ia perguntando à mulher se se machucara aqui, e mais aqui, e mais aqui, indicando os lugares com a mão que ia descendo. Se aparecesse um pedacinho desta obra-prima, o céu e as árvores ficariam assombrados, concluiu ele enquanto a mulher descia o vestido e tirava o pé do banco.
— Pode ser, mas não havia só o céu e as árvores, disse ela; havia também os olhos do Rubião.
— Ora, o Rubião! É verdade; ele nunca mais teve aquelas tolices de Santa Teresa?
— Nunca; mas, enfim, não me agradaria... Jura de verdade, Cristiano?
— O que você quer é que eu vá subindo de sagrado em sagrado, até à coisa mais sagrada. Jurei por Deus; não bastou. Juro por você; está satisfeita?
Pieguices de lascivo. Saiu finalmente do quarto da mulher e foi para o seu. Aquele pudor medroso e incrédulo de Sofia fazia-lhe bem. Mostrava que ela era sua, totalmente sua; mas, por isso mesmo que ele a possuía, considerava que era de grande senhor não se afligir com a vista casual e instantânea de um pedaço oculto do seu reino. E lastimava que o casual tivesse parado na ponta da bota. Era apenas a fronteira; as primeiras vilas do território, antes da cidade machucada pela queda, dariam idéia de uma civilização sublime e perfeita. E ensaboando-se, esfregando a cara, o colo e a cabeça na vasta bacia de prata, escovando-se, enxugando-se, aromando-se, Palha imaginava o pasmo e a inveja da única testemunha do desastre, se este fosse menos incompleto.