— Senhor...
— Uhm! repetiu Quincas Borba, de pé nos joelhos do senhor.
Rubião voltou a si e deu com o barbeiro. Conhecia-o por tê-lo visto ultimamente na loja; ergueu-se da cadeira. Quincas Borba latia, como a defendê-lo contra o intruso.
— Sossega! cala a boca! disse-lhe Rubião; e o cachorro foi, de orelha baixa, meter-se por trás da cesta de papéis. Durante esse tempo, Lucien desembrulhava os seus aparelhos.
— O senhor vai perder uma bela barba, dizia ele em francês. Conheço pessoas que fizeram a mesma coisa, mas para servir a alguma dama. Tenho sido confidente de homens respeitáveis...
— Justamente! interrompeu Rubião.
Não entendera nada; posto soubesse algum francês, mal o compreendia lido, — como sabemos, — e não o entendia falado. Mas, fenômeno curioso, não respondeu por impostura; ouviu as palavras, como se fossem cumprimento ou aclamação; e, ainda mais curioso fenômeno, respondendo-lhe em português, cuidava falar francês.
— Justamente! repetiu. Quero restituir a cara ao tipo anterior; é aquele.
E, como apontasse para o busto de Napoleão III, respondeu-lhe o barbeiro pela nossa língua:
— Ah! o imperador! Bonito busto, em verdade. Obra fina. O senhor comprou isto aqui ou mandou vir de Paris? São magníficos. Lá está o primeiro, o grande; este era um gênio. Se não fosse a traição, oh! os traidores, vê o senhor? os traidores são piores que as bombas de Orsini.
— Orsini! um coitado!
— Pagou caro.
— Pagou o que devia. Mas não há bombas nem Orsini contra o destino de um grande homem, continuou Rubião. Quando a fortuna de uma nação põe na cabeça de um grande homem a coroa imperial, não há maldades que valham... Orsini! um bobo!
Em poucos minutos, começou o barbeiro a deitar abaixo as barbas de Rubião, para lhe deixar somente a pêra e os bigodes de Napoleão III; encarecia-lhe o trabalho; afirmava que era difícil compor exatamente uma coisa como a outra. E à medida que lhe cortava as barbas, ia-as gabando: — Que lindos fios! Era um grande e honesto sacrifício que fazia, em verdade...
— Seu" barbeiro, você é pernóstico, interrompeu Rubião. Já lhe disse o que quero; ponha-me a cara como estava. Ali tem o busto para guiá-lo.
— Sim, senhor, cumprirei as suas ordens, e verá que semelhança vai sair.
E zás, zás, deu os últimos golpes às barbas de Rubião, e começou a rapar-lhe as faces e os queixos. Durou longo tempo a operação, o barbeiro ia tranqüilamente rapando, comparando, dividindo os olhos entre o busto e o homem. Às vezes, para melhor cotejá-los, recuava dois passos, olhava-os alternadamente, inclinava-se, pedia ao homem que se virasse de um lado ou de outro, e ia ver o lado correspondente do busto.
— Vai bem? perguntava Rubião.
Lucien pedia-lhe com um gesto que se calasse, e prosseguia. Recortou a pêra, deixou os bigodes, e escanhoou à vontade, lentamente, amigamente, aborrecidamente, adivinhando com os dedos alguma pontinha imperceptível de cabelo no queixo ou na face. Às vezes Rubião, cansado de estar a olhar para o teto, enquanto o outro lhe aperfeiçoava os queixos, pedia para descansar. Descansando, apalpava o rosto e sentia pelo tato a mudança.
— Os bigodes é que não estão muito compridos, observava.
— Falta arranjar-lhes as guias: aqui trago os ferrinhos para encurvá-los bem sobre o lábio, e depois faremos as guias. Ah! eu prefiro compor dez trabalhos originais a uma só cópia.
Volveram ainda dez minutos, antes que os bigodes e a pêra fossem bem retocados. Enfim, pronto. Rubião deu um salto, correu ao espelho, no quarto, que ficava ao pé; era o outro, eram ambos, era ele mesmo, em suma.
— Justamente! exclamou tornando ao gabinete, onde o barbeiro, tendo arrecadado os aparelhos, fazia festas ao Quincas Borba.
E indo à secretária, abriu uma gaveta, tirou uma nota de vinte mil-réis, e deu-lha.
— Não tenho troco, disse o outro.
— Não precisa dar troco, acudiu Rubião com um gesto soberano; tire o que houver de pagar à casa, e o resto é seu.