— Sim, mas eu preciso ir a Minas, teimou Rubião.
— Para quê? perguntou Camacho.
Palha fez-lhe igual pergunta. Para que iria a Minas, salvo se era negócio de pouco tempo? Ou já estava aborrecido da Corte?
— Não, aborrecido não estou; ao contrário...
Ao contrário, gostava muito dela; mas a terra natal, — por menos bonita que seja, — um lugarejo, — dá saudades à gente; — ainda mais quando a pessoa veio de lá homem. Queria ver Barbacena. Barbacena era a primeira terra do mundo. Durante alguns minutos, Rubião pôde subtrair-se à ação dos outros. Tinha a terra natal em si mesmo: ambições, vaidades da rua, prazeres efêmeros, tudo cedia ao mineiro saudoso da província. Se a alma dele foi alguma vez dissimulada, e escutou a voz do interesse, agora era a simples alma de um homem arrependido do gozo, e mal acomodado na própria riqueza.
Palha e Camacho olharam um para o outro... Oh! esse olhar foi como um bilhete de visita trocado entre as duas consciências. Nenhuma disse o seu segredo, mas viram os nomes no cartão, e cumprimentaram-se. Sim, era preciso impedir que o Rubião saísse; Minas podia retê-lo. Concordaram que lá fosse; mas depois, — alguns meses depois; — e talvez o Palha fosse também. Nunca vira Minas; seria excelente ocasião.
— O senhor? perguntou Rubião.
— Sim, eu; há muito que desejo ir a Minas e a São Paulo. Olhe, há mais de ano que estivemos vai não vai... Sofia é companheira para estas viagens. Lembra-se quando nos encontramos no trem da estrada de ferro?... Vínhamos de Vassouras; mas este projeto de Minas nunca nos deixou. Iremos os três.
Rubião agarrou-se às eleições próximas; mas aqui interveio Camacho, afirmando que não era preciso, que a serpente devia ser esmagada cá mesmo na capital; não faltaria tempo depois para ir matar saudades e receber a recompensa. Rubião agitou-se no canapé. A recompensa era, com certeza, o diploma de deputado. Visão magnífica, ambição que nunca teve, quando era um pobre diabo... Ei-la que o toma, que lhe aguça todos os apetites de grandeza e de glória. Entretanto, ainda insistiu por poucos dias de viagem, e, para ser exato, devo jurar que o fez sem desejo de que lhe aceitassem a proposta.
A lua estava então brilhante; a enseada, vista pelas janelas, apresentava aquele aspecto sedutor que nenhum carioca pode crer que exista em outra parte do mundo. A figura de Sofia passou ao longe, na encosta do morro, e diluiu-se no luar; a última sessão da Câmara, tumultuosa, ressoou aos ouvidos de Rubião... Camacho foi até à janela e voltou logo.
— Mas quantos dias? perguntou ele.
— Isso é que não sei, mas poucos.
— Em todo o caso, amanhã conversaremos.
Camacho despediu-se. Palha ficou ainda alguns instantes, para dizer-lhe que seria esquisito voltar a Minas, sem que eles liquidassem as contas... Rubião interrompeu-o. Contas? Quem lhe pedia contas?
— Bem se vê que o senhor não é homem de comércio, redargüiu Cristiano.
— Não sou, é verdade; mas as contas pagam-se quando se pode. Entre nós, tem sido isto. Ou, quem sabe? Seja franco; precisa de algum dinheiro?
— Não, não preciso. Obrigado. Tenho que propor um negócio, mas há de ser mais demoradamente. Vim vê-lo para não botar anúncios nos jornais: "Desapareceu um amigo, por nome Rubião, que tem um cachorro...
Rubião gostou da facécia. Palha saiu e ele foi acompanhá-lo até a esquina da Rua Marquês de Abrantes. Ao despedir-se prometeu visitá-lo em Santa Teresa, antes de ir a Minas.