De manhã, na cama, teve um sobressalto. O primeiro jornal que abriu foi a Atalaia. Leu o artigo editorial, uma correspondência, e algumas notícias. De repente, deu com o seu nome.

— Que é isto?

Era o seu próprio nome impresso, rutilante, multiplicado, nada menos que uma notícia do caso da Rua da Ajuda. Depois do sobressalto, aborrecimento. Que diacho de idéia aquela de imprimir um fato particular, contado em confiança? Não quis ler nada; desde que percebeu o que era, deitou a folha ao chão, e pegou em outra. Infelizmente, perdera a serenidade, lia por alto, pulava algumas linhas, não entendia outras, ou dava por si no fim de uma coluna sem saber como viera escorregando até ali.

Ao levantar-se, sentou-se na poltrona, ao pé da cama, e pegou da Atalaia. Lançou os olhos pela notícia: era mais de uma coluna. Coluna e tanto para coisa tão diminuta! pensou consigo. E a fim de ver como é que Camacho enchera o papel, leu tudo, um pouco às pressas, vexado dos adjetivos e da descrição dramática do caso.

— Foi bem feito! disse em voz alta. Quem me mandou ser linguarudo?

Passou ao banho, vestiu-se, penteou-se, sem esquecer a bisbilhotice da folha, acanhado com a publicação de um negócio, que ele reputava mínimo, e ainda mais pelo encarecimento que lhe dera o escritor, como se tratasse de dizer bem ou mal em política. Ao café, pegou novamente na folha, para ler outras coisas, nomeações do governo, um assassinato em Garanhuns, meteorologia, até que a vista desastrada foi cair na notícia, e leu-a então com pausa. Aqui confessou Rubião que bem podia crer na sinceridade do escritor. O entusiasmo da linguagem explicava-se pela impressão que lhe ficou do fato; tal foi ela que lhe não permitiu ser mais sóbrio. Naturalmente é o que foi. Rubião recordou a sua entrada no escritório do Camacho, o modo por que falou; e daí tornou atrás, ao próprio ato. Estirado no gabinete, evocou a cena; o menino, o carro, os cavalos, o grito, o salto que deu, levado de um ímpeto irresistível. — Agora mesmo não podia explicar o negócio; foi como se lhe tivesse passado uma sombra pelos olhos... Atirou-se à criança, e aos cavalos, cego e surdo, sem atender ao próprio risco... E podia ficar ali, embaixo dos animais, esmagado pelas rodas, morto ou ferido; ferido que fosse... Podia ou não podia? Era impossível negar que a situação foi grave... A prova é que os pais e a vizinhança...

Rubião interrompeu as reflexões para ler ainda a notícia. Que era bem escrita, era. Trechos havia que releu com muita satisfação. O diabo do homem parecia ter assistido à cena. Que narração! que viveza de estilo! Alguns pontos estavam acrescentados, — confusão de memória, — mas o acréscimo não ficava mal. E certo orgulho que lhe notou ao repetir-lhe o nome? "O nosso amigo, o nosso distintíssimo amigo, o nosso valente amigo...”

Ao almoço, riu-se de si mesmo; achou-se mortificado em demasia. Afinal, que tinha que o outro desse aos seus leitores uma notícia que era verdadeira, que era interessante, dramática, — e seguramente, — não vulgar? Saindo, recebeu alguns cumprimentos; Freitas chamou-lhe São Vicente de Paula. E o nosso amigo sorria, agradecia, diminuía-se, não era nada...

— Nada? replicou alguém. Dê-me muitos desses nadas. Salvar uma criança com risco da própria vida...

Rubião ia concordando, ouvindo, sorrindo; contava a cena a alguns curiosos, que a queriam da própria boca do autor. Certos ouvintes respondiam com proezas suas, — um que salvara uma vez um homem, outro uma menina, prestes a afogar-se no boqueirão do Passeio, estando a tomar banho. Vinham também suicídios malogrados, por intervenção do ouvinte, que tomou a pistola ao infeliz, e fê-lo jurar... Cada gloriazinha oculta picava o ovo, e punha a cabeça de fora, olho aberto, sem penas, em volta da glória máxima do Rubião. Também teve invejosos, alguns que nem o conheciam, só por ouvi-lo louvar em voz alta. Rubião foi agradecer a notícia ao Camacho, não sem alguma censura pelo abuso de confiança, mas uma censura mole, ao canto da boca. Dali foi comprar uns tantos exemplares da folha para os amigos de Barbacena. Nenhuma outra transcreveu a notícia; ele, a conselho do Freitas, fê-la reimprimir nos a pedidos do Jornal do Comércio, entrelinhada.