— Já de pé! repetiu Sofia, ao ver a prima lendo os jornais.
Maria Benedita teve um sobressalto, mas aquietou-se logo; dormira mal, e acordou cedo. Não estava para aquelas folias até tão tarde, disse ela; mas a outra replicou logo que era preciso acostumar-se, a vida do Rio de Janeiro não era a mesma da roça, dormir com as galinhas e acordar com os galos. Depois perguntou-lhe que impressões trouxera do baile; Maria Benedita levantou os ombros com indiferença, mas verbalmente respondeu que boas. As palavras saíam-lhe poucas e moles. Sofia, entretanto, ponderou-lhe que dançara muito, salvo polcas e valsas. E por que não havia de polcar e valsar também? A prima lançou-lhe uns olhos maus.
— Não gosto.
— Qual não gosta! É medo.
— Medo?
— Falta de costume, explicou Sofia.
— Não gosto que um homem me aperte o corpo ao seu corpo, e ande comigo, assim, à vista dos outros. Tenho vexame.
Sofia tornou-se séria; não se defendeu nem continuou, falou da roça, perguntou se era certo o que lhe dissera Cristiano, que ela queria ir para casa. Então a prima, que folheava os jornais, à toa, respondeu animadamente que sim; não podia viver sem a mãe.
— Mas por quê? Você não estava tão contente conosco?
Maria Benedita não disse nada; passeou os olhos em um dos jornais, como se procurasse alguma notícia, trincando o beiço, trêmula, inquieta. Sofia teimou em querer saber a causa daquela mudança repentina; pegou-lhe nas mãos, achou-as frias.
— Você precisa casar, disse finalmente. Tenho já um noivo.
Era Rubião; o Palha queria acabar por aí, casando o sócio com a prima; tudo ficava em casa, dizia ele à mulher. Esta tomou a si guiar o negócio. Acudia-lhe agora a promessa; tinha um noivo pronto.
— Quem? perguntou Maria Benedita.
— Uma pessoa.
Crê-lo-eis, pósteros? Sofia não pôde soltar o nome de Rubião. Já uma vez dissera ao marido havê-lo proposto, e era mentira. Agora, indo a propô-lo deveras, o nome não lhe saiu da boca. Ciúmes? Seria singular que esta mulher, que não tinha amor àquele homem, não quisesse dá-lo de noivo à prima, mas a natureza é capaz de tudo, amigo e senhor. Inventou o ciúme de Otelo e o do cavaleiro Desgrieux, podia inventar este outro de uma pessoa que não quer ceder o que não quer possuir.
— Mas quem? repetiu Maria Benedita.
— Direi depois, deixe-me arranjar as coisas, respondeu Sofia, e mudou de conversa.
Maria Benedita trocou de rosto; a boca encheu-se-lhe de riso, um riso de alegria e de esperança. Os olhos agradeceram a promessa, e disseram palavras que ninguém podia ouvir nem entender, palavras obscuras:
— Gosta de valsar; é o que é.
Gosta de valsar quem? Provavelmente a outra. Tinha valsado tanto na véspera, com o mesmo Carlos Maria, que bem se poderia achar na dança um pretexto; Maria Benedita concluía agora que era o próprio e único motivo. Conversaram muito nos intervalos, é certo, mas naturalmente era dela que falavam, uma vez que a prima tinha a peito casá-la e só lhe pedia que deixasse arranjar as coisas. Talvez ele a achasse feia, ou sem graça. Uma vez, porém, que a prima queria arranjar as coisas... Tudo isso diziam os olhos gaios da menina.