E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida.
A outra que ri é a alma do Rubião. Escutai a cantiga alegre, brilhante, com que ela desce o morro, dizendo as coisas mais íntimas às estrelas, espécie de rapsódia feita de uma linguagem que ninguém nunca alfabetou, por ser impossível achar um sinal que lhe exprima os vocábulos. Cá embaixo, as ruas desertas parecem-lhe povoadas, o silêncio é um tumulto, e de todas as janelas debruçam-se vultos de mulher, caras bonitas e grossas sobrancelhas, todas Sofias e uma Sofia única. Uma ou outra vez, Rubião acha que foi temerário, indiscreto, recorda o caso do jardim, a resistência, o enfado da moça, e chega a arrepender-se; tem então calafrios, fica aterrado com a idéia de que podem fechar-lhe a porta, e cortar inteiramente as relações; tudo porque precipitou os acontecimentos. Sim, devia esperar; a ocasião não era própria; visitas, muitas luzes, que lembrança foi aquela de falar de amores, sem cautelas, desbragadamente?... Achava-lhe razão: era bem feito que o despedisse logo.
— Fui um maluco! dizia em voz alta.
Não pensava no jantar, que foi lauto, nem nos vinhos, que eram generosos, nem na eletricidade própria de uma sala em que há senhoras galantes; achava-se maluco, completamente maluco.
Logo depois, a mesma alma, que se acusava, defendia-se. Sofia parecia tê-lo animado ao que fez; os olhos freqüentes, depois fixos, os modos, os requebros, a distinção de o mandar sentar ao pé de si, à mesa de jantar, de só cuidar dele, de lhe dizer melodiosamente coisas afáveis, que era tudo isso mais que exortações e solicitações? E a boa alma explicava a contradição da moça, depois, no jardim: era a primeira vez que ouvia tais palavras, fora do grêmio conjugal, e ali perto de todos, devia tremer naturalmente; demais, ele expandira-se muito, e precipitou tudo. Nenhuma graduação; devia ter ido pé ante pé, e nunca segurar-lhe as mãos com tanta força que chegasse a molestá-la. Em conclusão, achava-se grosseiro. Voltava o receio de lhe fecharem a porta; depois, tornava às consolações da esperança, à análise das ações da moça, à própria invenção do Padre Mendes, mentira de cumplicidade; pensava também na estima do marido... Aqui estremeceu. A estima do marido deu-lhe remorsos. Não só merecia a confiança dele, mas acrescia certa dívida pecuniária, e umas três letras que Rubião aceitou por ele.
— Não posso, não devo, ia dizendo a si mesmo, não é bonito ir adiante. Também é verdade que, a rigor, não sou autor de nada; ela é que, desde muito, me anda desafiando. Pois que desafie agora! Sim, é preciso resistir-lhe... Emprestei o dinheiro quase sem pedido, porque ele precisava muito e eu devia-lhe obséquios; as letras, sim, as letras foi ele que me pediu que assinasse, mas não me pediu mais nada. Sei que é honrado, que trabalha muito; o diabo da mulher é que fez mal em meter-se de permeio, com os lindos olhos e a figura... Que admirável figura, meu pai do Céu! Hoje então estava divina. Quando o braço dela roçava no meu, à mesa, apesar da minha manga...
Confuso, incerto, ia a cuidar na lealdade que devia ao amigo, mas a consciência partia-se em duas, uma increpando a outra, a outra explicando-se, e ambas desorientadas...
Deu por si na Praça da Constituição. Viera andando à toa. Pensou em ir ao teatro, mas era tarde. Então dirigiu-se ao Largo de São Francisco para meter-se em um tílburi e ir para Botafogo. Achou três, que vieram logo ao encontro dele, oferecendo os seus serviços e louvando principalmente o cavalo, um bom cavalo, — um animal excelente.