No dia seguinte, pelas duas horas da tarde apresentou-se Alves em casa de Helena, que já o esperava, e que entreteve a conversa até a chegada de Batista. Ambos iam pedir a mesma coisa; e sentiram-se bem contrariados por se acharem juntos. Cada um resolveu intimamente adiar o pedido oficial. Mas se eles punham, Helena dispunha, e foi ela a primeira que rompeu um curto silêncio com estas palavras:
— Ambos os senhores vêm fazer-me idêntico pedido.
— Ah! disseram Alves e Batista olhando um para o outro; o senhor também?
— Também, responderam ambos.
— Também, disse Helena sorrindo.
Seguiu-se a estas palavras um momento de silêncio. Helena saboreava aquele constrangimento. Por fim, disse ela:
— O pedido é honroso para mim; mas por isso mesmo que a resposta, qualquer que seja, não pode deixar de ser desagradável para um, conversemos antes sobre o assunto, menos como solução que como explicação.
— É justo, disse Batista. Pela minha parte, devo dizer que prefiro saber o mais breve possível da resposta definitiva, porquanto mesmo que a solução seja má, ainda assim é melhor que a situação atual de meu filho. A senhora avaliará.
— Avalio, disse ela.
— Eu estou às suas ordens, disse Alves.
— Suponham que eu escolho um dos mancebos distintos que me fazem a honra de pedir a minha mão; quererá ele sujeitar-se a uma condição?
— Qual? perguntou Batista.
— Eu creio que a todas, disse Alves.
Helena continuou:
— Para evitar dúvidas futuras, e resguardar a minha ação individual, dizia meu finado marido, de quem herdei a fortuna que possuo, que, se me houvesse de casar segunda vez, celebrasse antecipadamente uma escritura em virtude da qual os meus bens ficassem inteiramente meus, sem ação possessiva nem administrativa de meu novo marido.
— Capricho de moribundo! disse Batista piscando o olho.
— Sem conseqüências, acrescentou Alves.
— Não, replicou Helena, a vontade de um morto é sagrada, e eu quero respeitar a dele. Demais, creio que pensava bem.
— Sim, não pensava mal, murmurou Batista.
Alves coçava a cabeça sem atinar com uma resposta.
— Esta explicação, continuou Helena, acho que era necessária antes de uma solução qualquer.
— Sem dúvida alguma, disse Batista. Mas a minha questão não é de dinheiro.
— Nem a minha, disse Alves aproveitando aquelas palavras para criar uma situação favorável à retirada; e por isso estranho que a um pedido tão simples a senhora opusesse uma cláusula pecuniária, sem valor para as almas grandes, sobretudo, quando se trata de uma paixão como a que meu filho sente nesta ocasião.
— Que velhaco! pensou Batista.
Helena sorriu.
Alves continuou:
— Para lhe provar a grande paixão que meu filho sente pela senhora, basta dizer-lhe que, para acudir aos interesses daquele coração, não hesitei em quebrar a amizade deste amigo ligado a mim por tão largo tempo.
— Ah! disse Helena com simulada admiração.
— E por quê? porque o filho dele constituíra-se rival do meu, sem dúvida contra a vontade, mas enfim dominado pelos encantos de uma senhora tão formosa...
— Et cetera, disse Helena.
— Em resumo, disse Batista, és capaz de um sacrifício por mim?
— Como?
— Desistindo das tuas pretensões?
— Se é necessário, estou pronto...
— Mas não contam com o meu coração? interrompeu Helena. Suponham que...
— Perdão, disse Batista, posso supor o que quiser; mas eu só lhe peço que tenha a certeza de que a paixão de meu filho é indomável, e eu peço-lhe que me dê uma resposta favorável.
— Apesar da cláusula?
— Pois então!! Que nos importa a cláusula? O essencial para ele é ser amado. Consinta pois que eu lhe leve uma esperança. O rapaz vai embarcar para Europa; e quando voltar...
— Em que tempo?
— Não sei; mas há de voltar.
Helena compreendeu que esta cena não podia prolongar-se, e pôs termo dizendo que no dia seguinte mandaria uma resposta definitiva, porque desejava consultar segunda vez o avô.
Batista e Alves, que desejavam mesmo romper uma situação incômoda e ridícula, levantaram-se e despediram-se.
Chegando à porta disse Batista:
— Que te parece a cláusula?
— Uma tolice.
— Ou uma velhacaria!
Mas cada um deles dizia consigo:
— Ou uma arma.
E foram tomar um sorvete!
Quando o coronel voltou para casa, Helena contou-lhe a cena havida com os dois velhos, e concluiu dizendo:
— Mas ainda quando não fossem dois especuladores, e eu pudesse amar um dos filhos sem vexame para mim, ainda assim era impossível.
— Por quê? perguntou o velho.
— Porque o meu coração está dado.
O coronel estremeceu.
Helena continuou:
— E é agora a ocasião de dizer-lhe, meu avô; eu amo, e desejo casar-me outra vez.
— Ah!
— Não adivinha com quem?
— Adivinho.
Helena lançou-lhe os braços à roda do pescoço.
— E consente, não? disse ela.
— Ele embarca.
— Ele!
— Sim.
— Mas prometeu-me que não.
— Disse-me ontem que sim.
— Ah! é impossível! Vou mandar dizer-lhe que não vá, que venha ver-me... E sabe por que motivo quer embarcar? Porque é nobre de coração; porque não quer que o confundam com os namorados da minha fortuna! É preciso que ele não parta!
— Há de partir, respondeu o velho.
— Por quê?
— Escuta, Helena, disse o coronel levando-a para o sofá. Se é essa a intenção que o leva a sair, é nobre da parte dele; mas há ainda um motivo que deve obrigá-lo a separar-se de nós.
— Um motivo? Qual?
— Há entre ele e nós uma linha de sangue; o pai dele matou teu pai.
Ouvindo esta revelação, Helena estremeceu, e levou as mãos aos olhos. Era que a recordação da morte do pai ainda a comovia profundamente. O coronel limpou duas lágrimas que lhe caíam pelas faces abaixo. Assim se passaram alguns minutos, no fim dos quais Helena levantando a cabeça disse:
— É uma fatalidade que as nossas famílias tenham esse lúgubre ponto de contacto; mas, enfim, ele não pode responder por crimes que não são seus, e o nosso casamento é um perdão que a caridade cristã está pedindo.
— Pois quê! insistes? disse o coronel.
— Por que não, meu avô?
— Mas, Helena, repara que...
— Ah! eu não sei guardar esses ódios que vão de geração em geração.
O coronel procurou ver se trazia a neta às suas idéias; mas foi impossível. Helena resistiu à argumentação do avô. No fim de uma hora a alternativa era esta: ou ceder ou brigar. O coronel cedeu.