Raios de Extincta Luz/Explicação prévia

EXPLICAÇÃO PRÉVIA



Apublicação d'este livro é um phenomeno litterario de alta importância. Compõe-se de uma collecção de Poesias inéditas de Anthero de Quental, na primeira phase artistica, de 1859 a 1863, quando o seu ideal era ainda religioso, romantico e espiritualista. Phase ignorada do publico, acha-se descripta pelo poeta na sua Autobiographia, quando allude á «educação catholica e tradicional de um espirito naturalmente religioso, nascido para crêr placidamente e obedecer sem esforço a uma regra conhecida.»

Ao dar á publicidade o livro revolucionario as Odes modernas, em 1865, accentuada poesia de combate, Anthero rasgou todas as composições anteriores, para que não ficassem vestigios d'esse período contemplativo. Dera então o máximo relêvo á «revolução moral e intellectual», como o facto mais importante da sua vida, segundo confessa na Autobiographia. Truncando as suas origens artisticas, apagava uma pagina psychologica, tão cheia de verdade e naturalidade, que a critica nunca poderia reconstruir.

Por uma casualidade feliz um companheiro de Anthero de Quental, que por esse tempo frequentava a faculdade de medicina, copiára todas as poesias romanticas: chamava-se Eduardo Xavier de Oliveira Barros Leite, fallecido prematuramente em 1872. Por um enlace de família, obtive por occasião da sua morte o caderno das poesias que copiára, e que o próprio auctor, que lhe sobreviveu vinte annos, mal suspeitava terem sido conservadas. Guardei-as pois, como um valioso documento, onde estavam os primeiros germens do talento poético de Anthero de Quental; publicando-as depois da sua morte desgraçada, restituimos-lhe á vida subjectiva uma pagina luminosa e sympathica que faltava á sua obra e á litteratura portugueza.

O titulo do livro, Raios de extincta Luz, tem a significação do seu apparecimento posthumo, e o valor de exprimir um presentimento do poeta, ao começar com este hemistychio a invocação escripta em 1860 para uma colleccionação projectada.

Para completar este monumento, fizemos pesquizas por albuns particulares, onde ainda encontrámos primorosos inéditos. Ao dr. José Bernardino agradecemos a contribuição valiosa com que enriqueceu este livro; e a Joaquim de Araujo os excerptos ineditos da traducção do Fausto e outras composições dispersas, que Anthero reservava para incluir em uma futura edição das Odes modernas e das Primaveras romanticas. Manda o dever moral que se reconheça a cooperação do activo e intelligente livreiro-editor Manuel Gomes, que ligou a sua iniciativa á publicação das poesias ignoradas do excelso poeta. Incorporando-as n'este volume, aqui ficam reunidas a primeira e a ultima maneira artistica de Anthero de Quental, podendo agora ser julgada de um modo definitivo a sua obra poética completa.