Aproximava-se a hora da carreira grande e até então ninguém se atrevera, com carreiras sem importância ou de brinquedo, a profanar a cancha, naquele dia sagrado para quaisquer outros que não fossem o abastado estancieiro Sr. Madruga ou a sua competidora, pois era uma mulher, D. Rita França, senhora de meia-idade, estancieira também e que desfrutava a fortuna que possuía, divertindo-se e gozando a seu modo.
Às três horas em ponto, dos lados do mato moveu-se uma comitiva de cerca de 50 ginetes, a rumo da cancha.
À frente do grupo vinha o Sr. Madruga e no centro da parceria, formada em quadrado, vinham dois parelheiros, de pêlo igual, ambos rosilhos, mas de diferente figura e construção.
Ao chegarem ao ponto onde devia começar a carreira, logo o povo acorreu para apreciar os parelheiros e formular projetos de apostas, segundo seus palpites e coraçonadas.
A carreira fora atada com condição de parada morta, ou seja perda total para o parceiro que se arrependesse, mas o Sr. Madruga tinha o direito de apresentar dois cavalos, cuja escolha para correr só seria definitiva depois de enfrenado um deles.
Por isso, ao primeiro impulso de entusiasmo dos apreciadores sucedeu desagradável impressão de dúvida sobre qual deles seria o escolhido, para fazerem jogo.
Entre a multidão, que àquela hora era compacta, achavam-se João de Borba e o compadre Giloca, os quais, na sua qualidade de forasteiros, não tinham feito durante aquele dia senão recorrerem o acampamento, sondando as opiniões, a fim de poderem arriscar algumas onças que lhes faziam peso nas guaiacas.
- Que tal, compadre, disse João de Borba, qual é o seu palpite? não vinha mal se forrássemos o poncho para o resto da viagem.
- Não vi ainda o outro cavalo, respondeu o compadre Giloca.
- Mas que lhe parece o rosilho pequeno, hein?
- É um pingaço; tem toda a traça de bom; mas me desagrada pelo tiro que teria de correr, se fosse escolhido; parece animal que para lhe debastarem a graxa apertaram demais a compostura, de modo que acho ele assim a modo de atravessado.
- Mas o outro parece um arrastador d'água, tosado a faca, meio rabão, cuerudo...
- Sim, e isso pode ser feito de propósito, para não chamar a atenção; mas repare bem; deve ser animal de muito lance, porque é bem enquartado e rasgado de baixo; depois veja: pescoço largo e comprido, orelhas de tesoura, casco pequeno, peito de pomba, quadril ossudo, anca de viúva, ventas bem abertas e boca grande; se conhece que tem estado. Jogaria neste um par de patacões e não me arrependia, porque este não me engana.
Durante esta pequena conversa, de um estabelecimento distante umas vintes quadras, lados do campo, moveu-se outra comitiva mais ou menos igual à primeira, ao lado da qual rodava uma bonita carretilha de molas, ladeada por seis homens, todos moços e de boa aparência, espécie de guarda de honra de D. Rita França, da tia Rita, como eles lhe chamavam, pois era ela que atendendo ao seu compromisso comparecia ao lugar aprazado para a grande carreira.
Ao mesmo tempo todos os curiosos e aficionados refluíram para os recém-chegados, admirando e aplaudindo a bela estampa do parelheiro tordilho, que ia competir com um dos dois do Sr. Madruga.
Via-se logo que aquele animal tivera um compositor excelente e caprichoso. Tosado quase por completo, tinha só uma mecha de crina junto às cruzes, o que ainda mais lhe realçava o pescoço já de natureza arqueado e a pequena cabeça descarnada, onde se revolviam dois grandes olhos negros, inquietos e saltados; trocava a orelha de um modo particular em todas as direções, para atender aos menores ruídos, mascando o freio com impaciência; - tudo nele mostrava logo o desejo de correr, como querendo deixar atrás de si a própria sombra.
Seu pêlo fino e lustroso parecia achamalotado, deixando ressaltar até os menores músculos quando caminhava, - indício de força e bom estado, pois apresentava-se suficientemente nutrido para resistir e delgado para correr.