Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CLXIII
Se há nos homens diferença, esta só se acha nos Ceptros, e Coroas; os que dominam a terra, têm a semelhança dos humanos, mas não sei que têm de mais; têm o mesmo ser para serem homens, mas não para serem como os mais homens; quem os fez maiores, foi a Providência; só esta podia influir diversidade no que é o mesmo; podia fazer que uma identidade fosse diferente de outra da mesma espécie; e podia, debaixo da mesma forma, e dos mesmos acidentes, fazer uma natureza desigual. Deus é a origem do poder dos Reis, estes são independentes da fortuna; porque o poder supremo, só Deus que o dá, o tira. As revoluções particulares parece que resultam de uma economia certa; as dos Monarcas não sucedem sem decreto especial. Aqueles a quem a Providência fez árbitros do mundo, a mesma Providência os distinguiu: os outros homens fazem-se distintos à proporção do favor supremo que os distingue. Assiste pois a distinção dos homens só na vontade, ou coração dos Reis; esta é a origem verdadeira da Nobreza. Os Reis são os que glorificam os homens, isto é os que os enobrecem; e desta sorte recebem a Nobreza por graça, e não por sucessão; por favor, e não por herança; permanecem Nobres, enquanto permanece a graça que os ilustra; persiste aquela prerrogativa enquanto o favor existe; se este se retira, logo a Nobreza acaba. A luz toda se emprega nos objectos, estes ficam claros, mas é por força de uma luz, que não é sua. Se o Sol se esconde, ficam os objectos escuros, e escondidos. As cousas não nascem com as qualidades que se vêem; os homens não vêm ao mundo sábios, justos, prudentes, virtuosos, bons; e do mesmo modo não vêm Nobres; cá acham a Nobreza como uma parte posterior, e auxiliar, que se pode unir, e agregar depois; acham muitas vaidades, e entre elas uma ocupada em crer, que a Nobreza é qualidade fixa, própria, interior, e inseparável; e por mais que os sentidos, e a razão mostrem o contrário, nem por isso aquela vaidade se deixa convencer. Tiremos por um pouco aos homens a faculdade que eles têm de se explicar; suponhamos que não falam, talvez que então se vejam iguais todos; a incapacidade, e o silêncio, sabem mais; tiremos também por um instante aos homens a alma racional, e então veremos a Nobreza com que ficam. Esta tal Nobreza, ou a sua vaidade negando as suposições, fica livre do argumento.