Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CXVIII
Mas que grande diferença vai de uma mulher, que professou por força, a uma que professa por vontade! Esta deixou verdadeiramente o mundo; a outra apenas mudou nele de lugar; ambas entraram no Templo, porém uma só entrou para o profanar; uma foi chamada por Deus, a outra foi mandada pelos homens; uma foi para achar um Esposo divino, a outra foi porque não achou um esposo humano; ambas foram para a Religião, porém só uma ficou sendo Religiosa; ambas professaram, porém cousas contrárias; porque o que uma professou, não quis professar a outra; ambas disseram o mesmo, porém uma só disse de boca, o que a outra também disse do coração; uma fez o sacrifício, a outra só fez a ceremónia; uma fez o que a outra representou; uma fez o que mostrava que fazia, a outra só fez a forma, ou a figura; ambas se obrigaram aos três votos, porém uma foi com tenção de os observar, e a outra foi sem tenção nenhuma de os cumprir; e isto é porque uma deixou os seus pensamentos fora, e a outra nem os deixou, nem os levou; ambas iam para jurar guerra ao amor, e à vaidade, porém uma ainda queria paz com a vaidade, e com o amor; esta ainda tinha os ídolos inteiros, e a outra, ou os não tinha, ou os tinha já quebrados; finalmente ambas estavam no caminho da virtude, mas nem por isso eram ambas virtuosas; por um mesmo caminho iam a partes diferentes; o mesmo vento serve para muitos rumos; a mesma estrela serve de guia, para os que navegam encontrados; às vezes a origem do bem produz o mal: no mesmo lugar em que nasce a vida, se cria a morte; as cousas que são contrárias no fim, às vezes são as mesmas no princípio; de um mesmo tronco nascem ramos opostos; por uma escada sobem uns, e descem outros; a Religião é a escada por onde se sobe ao Céu, mas a ninguém se há-de fazer subir por força; porque então há o risco de cair. Muitas mulheres entram nas Clausuras, porém umas vão ser pedras de escândalo, e outras vão ser imagens de uma alma santa; umas vão perverter, e outras edificar; estas são as que estando ainda na terra, já estão vendo os Céus abertos: almas ditosas, pois que do instante em que foram buscar a Deus, logo começaram a ser bem-aventuradas! E que bem vieram a saber, que para achar a Deus, basta o buscá-lo: unidas em espírito a um Esposo eterno, cujo amor é divino, cujo poder é supremo, e cuja misericórdia é infinita, já parece que vivem transformadas nele. Feliz semelhança de uma transubstanciação prodigiosa! E quem duvida que é celestial uma alma em quem Deus vive, e que vive em Deus? Por isso nela pode pouco a humanidade, porque a mesma graça que a anima, também a exalta, e fortifica; a mortificação não lhe serve de tormento, de alívio sim; o seu martírio é a sua glória. Que meio admirável de converter em gosto as penalidades da vida; e que remédio infalível, para que a dor sirva de delícia!