Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CXXIII
Sobre o mesma caso, há muitas opiniões más, e só uma é boa; por isso esta acha-se com trabalho, e a outra com facilidade. Há mil caminhos que vão ter a uma má opinião, e só um conduz para a que é boa. A rectidão de uma linha só se faz por uma forma, por isso é dificultosa; a obliquidade faz-se por muitos modos, por isso é fácil. Cada cousa que vemos, é por entre uma infinidade de outras cousas; a opinião também se mostra por entre uma infinidade de outras opiniões; e da mesma sorte a razão, que se oferece, é por entre uma infinidade de outras razões; neste labirinto nos perdemos. Cada cousa tem tantas partes por onde se considere, que de qualquer modo que a imaginemos, sempre achamos argumentos, que ou nos persuadem o erro, ou nos confirmam o acerto; daqui vem que há opiniões para tudo, assim como para tudo há exemplos. Aquilo, que nos parece que é sem dúvida, é donde às vezes a há maior. As águas do Oceano, por mais que sejam cristalinas, nem por isso deixam ver o fundo que as sustenta; que importa que sejam claras, se são profundas? Recebemos as ideias, que o entendimento nos propõe, ou certas, ou duvidosas; e assim as conservamos: o emendá-las é difícil, porque a emenda depende do mesmo entendimento, que erra. A vaidade faz a obstinação, porque é como um juiz inexorável, que nunca muda, nem reforma; se é que o amor da produção não concorre ainda mais.