Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/LXIV
Tudo são produções da vaidade, esta até nos faz achar consolação nas mesmas razões do nosso dano; até nos faz descobrir utilidade na nossa mesma perda; e até nos sabe mostrar um semblante de fortuna na nossa mesma ruína. Uma circunstância leve, e incerta, em que a vaidade se entretenha, basta muitas vezes para suspender a actividade do nosso mal, e para desviar do nosso pensamento a maior parte dele. A virtude maltratada encontra alívio na mesma persecução, porque a vaidade lhe sugere em si a imagem de um martírio: a inocência oprimida sente menos a aflição, porque se desvanece em considerar-se vítima, de que é propriedade o ser inocente; e com efeito a constância no sofrimento é um justo motivo de vaidade, porque ainda na fama de um herói não há tanta grandeza, como no silêncio de um homem aflito; por isso a paciência nunca faz rogos inúteis: um homem mudo na desgraça parece que força a providência a o consolar. O merecimento desprezado entra na vanglória de crer, que todos reparam no descuido do prémio; um facinoroso arrasta com arrogância os ferros, e vai com resolução para o suplício: a vaidade que lhe anima os passos, consiste na mesma atrocidade do delito: a mesma pobreza costuma fazer ostentação da miséria. A vaidade é de todo o mundo, de todo o tempo, de todas as profissões, e de todos os estados.