Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XLIX
Só a vaidade sabe dar existência às cousas que a não têm, e nos faz idólatras de uns nadas, que não têm mais corpo, que o que recebem do nosso modo de entender, e nos induz a buscarmos esses mesmos nadas, como meios de nos distinguir; sendo que nem Deus, nem a natureza nos distinguiu nunca. Na lei universal, ninguém ficou isento da dor, nem da tristeza; todos nascem sujeitos ao mesmo princípio, que é a vida, e ao mesmo fim, que é a morte; a todos compreende o efeito dos elementos; todos sentem o ardor do Sol, e o rigor do frio; a fome, e a sede, o gosto, e a pena, é comum a tudo aquilo que respira: o Autor do mundo fez ao homem sobre uma mesma ideia uniforme, e igual, e na ordem com que dispôs a natureza, não conheceu exceições, nem privilégios: nunca o homem pode ser mais, nem menos do que homem; e por mais, que a vaidade lhe esteja sugerindo uns certos atributos, ou certas qualidades, que o fazem parecer maior, e mais considerável, que os mais homens, essas mesmas qualidades, ainda sendo verdadeiras, sempre são imaginárias; porque também há verdades fantásticas, e compostas somente de ilusões.