Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXXIX
Vemos confusamente as aparências de que o mundo se compõe: os nossos discursos raramente encontram com a verdade, com a dúvida sempre; de sorte que a ciência humana toda consiste em dúvidas. Ainda dos primeiros princípios visíveis, e materiais, só conhecemos a existência, a natureza não; porque a contextura do universo é em si unida, e regular, em forma que na ordem das suas partes não se podem conhecer umas, sem se conhecerem todas; por isso todas se ignoram, porque nenhuma se conhece; só a vaidade costuma decidir sem embaraço, porque não chega a imaginar-se capaz de erro: os homens mais obstinados são os mais vaidosos, e sempre a porfia vem à proporção da vaidade.